sábado, 25 de outubro de 2025

Brahms-Sinfonia nº4 em mi menor op.98

..A Sinfonia nº 4 em mi menor, op. 98, de Johannes Brahms, é uma das obras mais grandiosas e complexas do repertório sinfônico — um verdadeiro testamento do gênio de Brahms, escrita entre 1884 e 1885, durante o verão em Mürzzuschlag, na Áustria.

estreada em 1885 a 25 de outubro  em Meiningen sob condução do próprio Brahms.

 A quarta e última sinfonia de Johannes Brahms 


 É uma obra prima em todos os seus detalhes. Acumula beleza, grandeza, criatividade e uma dignidade única. É a penúltima obra orquestral do compositor, a última sendo o Concerto Duplo para Violino e Violoncelo, de 1887. 

É uma obra um tanto atormentada, ainda que segura. Apresenta momentos de beleza, de fúria e até de doçura. Uma sinfonia romântica, certamente uma das maiores. 

 Brahms era uma pessoa reticente, antissocial, alguns diriam até rude. É famosa a anedota de que ele, ao sair de uma festa, olhou novamente pra sala e disse: "Se tem alguém que eu não ofendi hoje, peço desculpas

É uma sinfonia que combina rigor formal clássico com profunda expressividade romântica, e muitos a veem como a culminação do pensamento sinfônico de Brahms. De facto, foi sua última sinfonia, e nela ele parece condensar toda a experiência emocional e estrutural das anteriores.

I. Allegro non troppo (Mi menor)

Um início sombrio, quase austero. As cordas tecem um tecido contínuo, onde o tema principal parece brotar organicamente — sem fanfarras nem introduções. O desenvolvimento é denso e contrapontístico, com uma tensão que cresce como se a música se interrogasse sobre si mesma.
É a imagem do destino inevitável, mas tratada com contenção e dignidade, não com desespero.

II. Andante moderato (Mi maior)

Um dos momentos mais serenos da sinfonia. Tem um caráter quase arcaico — inspirado nos modos antigos — e revela o gosto de Brahms por texturas corais e sonoridades pastoris.
Aqui o compositor abre uma janela para o recolhimento: é um movimento de luz interior, em contraste com o drama do primeiro.

III. Allegro giocoso (Do maior)

Um scherzo vigoroso e terreno, quase jubiloso, com um uso ousado dos tímpanos. É raro encontrar em Brahms algo tão diretamente exultante. O ritmo é contagiante, cheio de energia e força vital.
Mas mesmo aqui há uma contenção: é uma alegria que sabe da sua transitoriedade.

IV. Allegro energico e passionato (Mi menor – passacaglia)

Um dos finais mais impressionantes da história da música. Brahms constrói o movimento sobre uma passacaglia — uma forma barroca baseada na repetição de um baixo fixo, aqui retirado de uma cantata de Bach (Nach dir, Herr, verlanget mich, BWV 150*).
Sobre esse tema, Brahms escreve 30 variações de uma arquitetura monumental, ao mesmo tempo cerebral e emotiva.
É como se o compositor, olhando para o passado (Bach), encontrasse nele a força para afirmar algo profundamente moderno: a aceitação trágica do destino, mas com grandeza.

Impressão geral

A Quarta Sinfonia é o testamento espiritual de Brahms — severa, intensa, construída com perfeição formal e uma melancolia contida que arde por dentro.

Nietzsche poderia tê-la chamado de “música da força tranquila”, pois ela não se lamenta: resiste

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Tchaikovsky-Sinfonia nº 6 em si menor"Pathétique" op.74

a Sinfonia n.º 6 em si menor, Op. 74 — a célebre “Pathétique” de Tchaikovsky — é uma das obras mais intensas, confessionais e emocionais de toda a história da música. É, de certo modo, o testamento espiritual do compositor.

Tchaikovsky escreveu-a em 1893, poucos meses antes da sua morte — e há quem veja nela uma despedida consciente da vida. Ele próprio disse ao irmão Modest que essa seria “a melhor coisa que já compus.” E de facto é uma sinfonia profundamente pessoal, de contrastes extremos: entre grandeza e desolação, entre o brilho do mundo e a escuridão íntima.

Em 1893 a 23 de Outubro, estreia em São Petersburgo esta Sinfonia Nº 6  regida pelo próprio, 9 dias antes de morrer.


O compositor, bebendo água não fervida, foi contaminado pela epidemia de cólera que grassava em São Petersburg

Eis uma leitura resumida dos seus quatro movimentos:

  1. Adagio – Allegro non troppo
    Começa com um tema sombrio nos fagotes e contrabaixos, quase um lamento. O desenvolvimento conduz-nos a explosões dramáticas, com uma intensidade emocional quase trágica. É um movimento de vida e morte, como se o compositor lutasse contra forças interiores.

  2. Allegro con grazia
    Um falso alívio: uma valsa em 5/4, irregular, desequilibrada, que nunca chega a estabilizar o compasso. É belo e melancólico ao mesmo tempo, um sorriso com sombra por trás — um dos trechos mais caracteristicamente “tchaikovskianos”.

  3. Allegro molto vivace
    Parece um scherzo triunfal, quase marcial. Quando termina, o público tende a aplaudir, como se fosse o final da sinfonia — mas é um engano. Tchaikovsky ironiza a própria ideia de vitória: esse triunfo é vazio, artificial, um eco do que já não é.

  4. Finale: Adagio lamentoso
    Aqui está o verdadeiro coração da Pathétique: a sinfonia não termina em glória, mas se extingue num murmúrio de resignação. O tema final desce, afunda, desfaz-se lentamente no silêncio. É o som de uma alma que se apaga.

Em conjunto, a obra é um retrato do conflito entre vida exterior e dor interior, entre a forma clássica e a emoção desmedida — uma despedida tão humana que ainda hoje, ao ouvi-la, parece que Tchaikovsky fala diretamente a nós. 

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Shostakovitch-Piano Concerto Nº. 1 em dó menor para Piano Trompete Orquestra Op.35

A obra Concerto para Piano, Trompete e Orquestra de Cordas em Dó menor, Op. 35, de Dmitri Shostakovitch, é uma das peças mais brilhantes, irônicas e inventivas do repertório pianístico do século XX. 

Informações Gerais

  • Título original: Концерт для фортепиано с оркестром, Op. 35

  • Compositor: Dmitri Shostakovitch (1906–1975)

  • Ano de composição: 1933

  • Estreia: 15 de outubro de 1933, em Leningrado (atual São Petersburgo)

  • Solista da estreia: Dmitri Shostakovitch (piano)

  • Regência: Fritz Stiedry

  • Trompete solo: Alexander Schmidt

  • Formação orquestral: Piano solista, Trompete solista e Orquestra de Cordas

Estrutura

A obra é dividida em quatro movimentos, executados sem longas pausas, num estilo concertante muito particular:

  1. Allegretto

    • Abertura espirituosa e cheia de energia, com passagens brilhantes do piano.

    • Alterna entre lirismo e sarcasmo, marca típica de Shostakovitch.

    • O trompete aparece como personagem secundário, muitas vezes comentando o discurso pianístico.

  2. Lento

    • Movimento lírico e melancólico, com clima de serenata ou canção de ninar.

    • Piano e cordas dialogam de forma introspectiva, quase como num adágio romântico.

    • O trompete intervém com delicadeza, quase como uma voz distante.

  3. Moderato (transição)

    • Breve movimento de caráter meditativo, funcionando como ponte entre o lirismo do Lento e a vivacidade do final.

    • Tensão crescente.

  4. Allegro con brio

    • Final virtuosístico e cheio de humor.

    • Shostakovitch cita e parodia temas de outras obras (como a “Rapsódia Húngara n.º 2” de Liszt e a “Canção da Pulga” de Beethoven).

    • O trompete tem papel destacado, dialogando e “competindo” com o piano num clima de quase duelo.

    • O concerto termina com brilho e ironia.

Estilo e Importância

  • Esta peça mistura virtuosismo pianístico, sátira musical e inspiração clássica, refletindo a fase jovem e espirituosa do compositor.

  • Ao contrário dos concertos tradicionais, o trompete não é um solista principal, mas atua como comentador e contraponto, o que torna a obra única.

  • É considerada uma das peças mais acessíveis e populares de Shostakovitch, frequentemente programada em concertos e concursos pianísticos.

  • Yuri TemirkanovYuri Temirkanov

 

domingo, 12 de outubro de 2025

Rachmaninov-Variações sobre um Tema de Corelli Op42

..As “Variações sobre um Tema de Corelli”, Op. 42, de Sergei Rachmaninov, são uma das obras mais íntimas e refinadas do seu repertório para piano solo. Aqui vai uma explicação detalhada e interessante


  • Título original: Variations on a Theme of Corelli, Op. 42

  • Compositor: Sergei Rachmaninov (1873–1943)

  • Ano de composição: 1931

  • Estreia: 12 de outubro de 1931, em Montreal, com o próprio Rachmaninov ao piano.

  • Duração média: cerca de 18–20 minutos

  • Instrumentação: piano solo

  • Número de variações: 20, mais uma Cadenza e uma Coda.

O “Tema de Corelli”

Apesar do título, o tema não é de Arcangelo Corelli propriamente dito.
Rachmaninov usou o célebre tema “La Folia”, uma progressão harmónica de origem ibérica (possivelmente portuguesa ou espanhola) que foi popularizada por muitos compositores barrocos, entre eles Corelli (na sua Sonata Op. 5 n.º 12 para violino e contínuo).
Portanto, o “tema de Corelli” é na verdade La Folia na versão corelliana.

O tema tem 16 compassos e uma harmonia muito reconhecível, sobre a qual inúmeros compositores criaram variações ao longo dos séculos.

Estrutura

A obra é construída assim:

  1. Tema – apresentado de forma sóbria e clara.

  2. Variações I–XIII – desenvolvem o tema com crescente virtuosismo, alternando climas líricos e tempestuosos.

  3. Intermezzo (Andante) – uma pausa contemplativa após a Variação XIII.

  4. Variações XIV–XX – retomam o fluxo, atingindo grande intensidade técnica e emocional, incluindo uma Cadenza (quase improvisatória) antes da Variação XIX.

  5. Coda – surpreendentemente tranquila e introspectiva, contrastando com o clímax anterior.

Características musicais

  • Economia temática: toda a obra nasce de um único tema, que Rachmaninov transforma com extraordinária imaginação.

  • Equilíbrio entre lirismo e virtuosismo: embora haja passagens extremamente exigentes, é uma obra mais íntima do que, por exemplo, os Concertos para Piano.

  • Estilo tardio: composta depois da sua emigração definitiva para os EUA, mostra um Rachmaninov mais contido, com harmonias sofisticadas e um toque quase neoclássico.

  • Liberdade interpretativa: Rachmaninov costumava pular variações ao vivo se sentisse que o público estava cansado — especialmente nos EUA, onde ele dizia que “o público americano boceja se não há fogo-de-artifício a cada minuto”. Numa gravação sua, ele omite 5 variações.

Importância

  • Foi a última grande obra original para piano solo de Rachmaninov.

  • Mostra a sua habilidade como pianista-compositor maduro, capaz de unir forma clássica (variações sobre La Folia) a uma linguagem harmónica pessoal e moderna.

  • Hoje é considerada uma peça de recital de alto nível técnico e expressivo, frequentemente programada por pianistas que desejam mostrar profundidade interpretativa além do virtuosismo

 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Shostakovitch-String Quartet nº01 em dó maior op.49

O Quarteto de Cordas n.º 1 em Dó maior, Op. 49 de Dmitri Shostakovich é uma obra composta em 1938, estreada a 10 de Outubro, terminada rapidamente durante um período em que o compositor buscava “recomeçar” criativamente após os anos turbulentos das críticas oficiais soviéticas à sua ópera Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk e à sua 4.ª Sinfonia.

É uma peça particularmente interessante porque, apesar de ser o primeiro quarteto publicado, Shostakovich já era um compositor maduro — tinha 32 anos — e dominava a escrita orquestral e camerística com grande experiência.

Contexto Histórico

Em 1936, Shostakovich foi violentamente atacado pela imprensa oficial soviética, acusado de “formalismo” e “decadência burguesa”. Para se proteger, retirou a 4.ª Sinfonia antes da estreia e compôs a 5.ª Sinfonia (1937) como “resposta prática a críticas justas” — uma obra que teve grande sucesso público e oficial.

Logo depois, em 1938, ele compôs o seu primeiro quarteto de cordas, inaugurando um ciclo que se tornaria uma das maiores séries de quartetos do século XX (15 ao todo), comparável em importância aos de Beethoven ou Bartók.

Shostakovich disse mais tarde que quis escrever este quarteto “com a alegria da juventude, como se fosse um estudante que escreve a sua primeira peça importante”.

Estrutura da Obra

A peça tem cerca de 15 minutos e é formada por quatro andamentos:

  1. Moderato – (Dó maior)

    • Sereno, quase pastoral.

    • As cordas apresentam um tema simples e lírico, com um caráter despreocupado e claro, reminiscente da música clássica vienense.

    • Lembra um passeio bucólico, sem ironia ou tensão — incomum em Shostakovich.

  2. Moderato – (Lá menor)

    • Mais introspectivo e melancólico.

    • O material tem um tom quase elegíaco, com frases longas e suspensas.

    • Aqui já se sente o típico “sabor” Shostakovichiano: uma tristeza contida e ressonâncias emocionais mais profundas.

  3. Allegro molto – (Dó menor)

    • Energético, com ritmos incisivos e brincadeiras contrapontísticas.

    • Alguns críticos veem ecos de danças populares e também ironia leve — traços que se tornariam centrais nos quartetos posteriores.

    • Há diálogos intensos entre os instrumentos.

  4. Allegro – (Dó maior)

    • Retorna à leveza inicial, com um rondó vivaz e otimista.

    • A música quase parece “dançar”, como se quisesse dissipar as sombras do segundo e terceiro andamentos.

    • Termina de forma radiante, quase clássica.

Estilo e Importância

  • Clareza formal: O quarteto é relativamente tradicional na forma — Shostakovich estava conscientemente a “ensaiar” o género sem subverter a tradição.

  • Economia temática: Ele trabalha com poucos motivos, mas desenvolve-os com mestria contrapontística.

  • Tonalidade luminosa: O tom geral é muito mais positivo que o habitual nas suas obras posteriores, o que levou alguns a descrevê-lo como “uma peça de primavera”.

  • Ponto de partida: Embora seja o primeiro quarteto, já antecipa a profundidade psicológica e a importância que os quartetos teriam na obra tardia do compositor — eles tornaram-se, ao longo da sua vida, um espaço de expressão íntima, mais pessoal do que as obras sinfónicas.

Curiosidade

Shostakovich afirmou mais tarde que considerava o Quarteto n.º 1 uma espécie de “exercício” para se familiarizar com a forma — e por isso a obra tem um caráter menos dramático que os quartetos seguintes. Mas paradoxalmente, essa simplicidade conquistou muitos ouvintes e músicos, tornando-o uma entrada acessível ao universo camerístico do compositor.  

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Shostakovitch-Sinfonia nº12 em ré menor op112

A Sinfonia n.º 12 em ré menor, Op. 112, de Dmitri Shostakovich, foi composta em 1961 e tem como subtítulo “O ano de 1917”, uma clara referência à Revolução Russa.
Em 1961 a 1 de Outubro estreada em Leninegrado interpretado pela Leningrad Philharmonic, dirigida por Yevgeny Mravinsky. 

Ela ocupa um lugar curioso na produção do compositor:

  • Contexto histórico:
    Foi escrita logo após a morte de Stalin (1953) e a posterior relativa abertura sob Khrushchev. Shostakovich já tinha oferecido em 1939 a famosa Sinfonia n.º 5, oficialmente recebida como a “resposta justa” às críticas de censura, mas na verdade cheia de ironia. A 12.ª, no entanto, soa muito mais direta e “programática”, dedicada explicitamente a Lenine (Shostakovich chegou a afirmar que era em memória dele).

  • Estrutura:
    É uma das sinfonias mais curtas do compositor e tem quatro movimentos tocados sem pausa:

    1. Revolução

    2. Razliv (lugar de exílio temporário de Lenin)

    3. Aurora (o famoso navio Aurora, que disparou o tiro de sinal para o assalto ao Palácio de Inverno)

    4. A aurora da humanidade

  • Estilo musical:

    • Ao contrário da profundidade sombria da 11.ª (“O Ano de 1905”), a 12.ª é muito mais direta, quase como uma sinfonia de propaganda.

    • O discurso musical é vigoroso, com uso constante de marchas, fanfarras e motivos repetitivos.

    • Alguns críticos a acusam de ser “oficial demais”, sem a ironia ou a ambiguidade típica de Shostakovich. Outros, porém, defendem que há subtilezas escondidas: momentos de tensão, instabilidade harmônica e um final que pode soar mais forçado do que triunfante.

  • Receção:
    Na estreia (Leningrado, 1961), foi recebida com entusiasmo oficial — era o tipo de obra que o regime queria ouvir. Mas a crítica internacional muitas vezes a coloca entre as sinfonias “menores” de Shostakovich, especialmente quando comparada às 8.ª, 10.ª ou 15.ª.
    Ainda assim, alguns maestros (como Kirill Kondrashin e Maxim Shostakovich, o filho do compositor) souberam trazer à tona uma leitura mais intensa e menos panfletária.