É uma peça particularmente interessante porque, apesar de ser o primeiro quarteto publicado, Shostakovich já era um compositor maduro — tinha 32 anos — e dominava a escrita orquestral e camerística com grande experiência.
Contexto Histórico
Em 1936, Shostakovich foi violentamente atacado pela imprensa oficial soviética, acusado de “formalismo” e “decadência burguesa”. Para se proteger, retirou a 4.ª Sinfonia antes da estreia e compôs a 5.ª Sinfonia (1937) como “resposta prática a críticas justas” — uma obra que teve grande sucesso público e oficial.
Logo depois, em 1938, ele compôs o seu primeiro quarteto de cordas, inaugurando um ciclo que se tornaria uma das maiores séries de quartetos do século XX (15 ao todo), comparável em importância aos de Beethoven ou Bartók.
Shostakovich disse mais tarde que quis escrever este quarteto “com a alegria da juventude, como se fosse um estudante que escreve a sua primeira peça importante”.
Estrutura da Obra
A peça tem cerca de 15 minutos e é formada por quatro andamentos:
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Moderato – (Dó maior)
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Sereno, quase pastoral.
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As cordas apresentam um tema simples e lírico, com um caráter despreocupado e claro, reminiscente da música clássica vienense.
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Lembra um passeio bucólico, sem ironia ou tensão — incomum em Shostakovich.
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Moderato – (Lá menor)
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Mais introspectivo e melancólico.
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O material tem um tom quase elegíaco, com frases longas e suspensas.
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Aqui já se sente o típico “sabor” Shostakovichiano: uma tristeza contida e ressonâncias emocionais mais profundas.
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Allegro molto – (Dó menor)
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Energético, com ritmos incisivos e brincadeiras contrapontísticas.
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Alguns críticos veem ecos de danças populares e também ironia leve — traços que se tornariam centrais nos quartetos posteriores.
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Há diálogos intensos entre os instrumentos.
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Allegro – (Dó maior)
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Retorna à leveza inicial, com um rondó vivaz e otimista.
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A música quase parece “dançar”, como se quisesse dissipar as sombras do segundo e terceiro andamentos.
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Termina de forma radiante, quase clássica.
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Estilo e Importância
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Clareza formal: O quarteto é relativamente tradicional na forma — Shostakovich estava conscientemente a “ensaiar” o género sem subverter a tradição.
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Economia temática: Ele trabalha com poucos motivos, mas desenvolve-os com mestria contrapontística.
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Tonalidade luminosa: O tom geral é muito mais positivo que o habitual nas suas obras posteriores, o que levou alguns a descrevê-lo como “uma peça de primavera”.
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Ponto de partida: Embora seja o primeiro quarteto, já antecipa a profundidade psicológica e a importância que os quartetos teriam na obra tardia do compositor — eles tornaram-se, ao longo da sua vida, um espaço de expressão íntima, mais pessoal do que as obras sinfónicas.
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