domingo, 28 de dezembro de 2008

Schubert

Franz Peter Schubert nasceu em Viena a 31 de janeiro de 1797. Filho de um mestre-escola, ingressou como cantor na capela imperial de sua cidade natal em 1808, e freqüentou um internato ligado a esta, onde Salieri o encorajou quando de suas primeiras composições. Em 1810, compôs um de seus mais importantes trabalhos, a Fantasia a quatro mãos e doze movimentos. Possuidor de parcas posses, foi grandemente auxiliado, quando ainda menino, por um colega seu, que lhe fornecia todo o papel de música de que necessitava. Escapando do serviço militar, matriculou-se em uma Escola Normal, tendo ao mesmo tempo o lugar de professor na Escola Particular mantida por seu pai.

Trabalhando desde 1814 como professor primário, teve oportunidade de reger músicas em igrejas suburbanas de Viena. Foi professor das filhas do conde Esterházy durante breves temporadas (1810 e 1824). Desde 1815 chamou atenção dos conhecedores pelas suas composições, especialmente pelos seus lieder. A partir de 1816, dedicou-se inteiramente à música.

Mas sua posição na vida musical vienense sempre foi modesta. Contou sempre com numerosos amigos que o admiravam (Schober, von Spaun, Michael Vogl, Lachner). Teve sucesso principalmente em círculos boêmios, aliás de uma boêmia muito moderada, meio burguesa. O tenor Vogl popularizou as suas canções. Em 1818, já havia composto seis sinfonias completas.

Apesar de Schubert estar atravessando um dos seus períodos mais fecundos no campo criativo, no aspecto pessoal, em 1823, surgiu um mal que poucos anos mais tarde levaria o compositor à morte. Embora seja impossível certificar com total veracidade qual era a enfermidade, depoimentos da época e a descrição dos sintomas que padecia permitem assegurar que contraiu uma doença venérea, concretamente a sífilis. Essa teoria seria corroborada pelo fato de que, no final desse ano, o músico tinha sido obrigado a utilizar uma peruca para ocultar uma repentina calvície, seqüela de um tratamento à base de mercúrio, característico da época.

Sem sombra de dúvidas, as conseqüências desse mal, do qual Schubert nunca se livraria, apesar de momentâneas melhoras, foram as que terminaram com sua existência, e desde o aparecimento dos primeiros transtornos, o músico pareceu-se conformar-se com o final que o aguardava. Durante esse período, compôs relativamente pouco, pois sua saúde se encontrava debilitada, assim como o seu ânimo, tal como reflete uma carta que enviou à Leopold Kupelweiser em 31 de março de 1824: ‘ (...) Sinto-me o homem mais infeliz e desventurado deste mundo. Creio que nunca voltarei a estar bem novamente, e tudo o que faço para tentar melhorar minha situação, na realidade a torna pior (...)’.

Durante o verão de 1823, Schubert iniciou uma longa viagem, acompanhado por seu amigo Michael Vogl, incluindo Steyr e Linz, aonde o esperavam seus companheiros. Nesse mesmo ano, foi nomeado membro da Musikverein der Steiemark, associação musical cuja sede se encontrava em Graz. Suas canções seguiam sendo publicadas com certa freqüência. No terreno da ópera, produziu-se uma nova tentativa por parte de Schubert de se impor nos cenários vienenses, nessa ocasião com a obra Rosamunda D 797, escrita por Wilhelmine von Chezi, e cuja música era obra do compositor austríaco. Rosamunda foi representada pela primeira vez em 20 de setembro de 1823 e, apesar do fracasso da obra teatral, a música que acompanhava o texto chegou a ser apreciada por boa parte do público.

A insistência de Schubert para triunfar nos teatros de ópera da sua cidade constitui um dos fatos que contribui para desmentir a fama de indolente atribuída ao compositor. Alguns anos mais tarde, em uma carta ao seu amigo Bauernfeld, Schubert escreveria umas palavras que refletem o interesse que seguia mantendo pela ópera: ‘Vem o quanto antes para Viena. Dupont quer uma ópera minha, porém os libretos que li não me agradaram em absoluto.

Seria magnífico se o seu libreto de ópera fosse acolhido favoravelmente. Isso daria, ao menos, dinheiro e, talvez, honra. Te peço que venhas assim que puder por causa da ópera.’ Atualmente, a maioria dos musicólogos parece coincidir em que, longe de mostrar deprezo por esse terreno, o mais provável é que o músico de Viena era incapaz, em virtude de seu caráter tímido e retraído, de relacionar-se de forma cômoda com os membros dos sofisticados e mundanos ambientes teatrais. Por esse motivo, parecia confiar unicamente nos contatos que Vogl mantinha com os círculos operísticos, e se a sua inaptidão para a vida social era, provavelmente, muito acusada, também era falso o tão repetido desinteresse que os biógrafos perpetuam nos relatos referentes ao compositor.

Numerosas biografias de Schubert incorrem no argumento de retratar um homem atormentado pela doença, cujos últimos anos foram um suplício para vencer o mal e redimir-se através de suas composições. O certo é que, depois dos primeiros sintomas da enfermidade que o afetaram seriamente durante aproximadamente um ano e meio, o estado geral do músico experimentou uma melhora que, inclusive, o levou a pensar que a sífilis cedia definitivamente. A partir do final de 1824, Schubert se sentiu novamente com forças para prosseguir com sua carreira e levar uma vida praticamente normal.

No verão desse ano transferiu-se de novo para a residência do conde Esterházy, em Zseliz, onde se encarregou uma vez mais da educação musical das filhas do aristocrata. O salário que recebeu durante esses meses não impediu que durante sua volta a Viena reiniciasse seu trabalho como professor na escola de seu pai. No entanto, depois de alguns meses de vida austera, conseguiu reunir dinheiro suficiente para abandonar, outra vez, o lar paterno e viver com seus amigos.

O ano de 1825 se apresentava com algumas perspectivas. O estado de saúde de Schubert havia experimentado uma notável - embora passageira - melhora, e de novo o músico se entregou a sua tarefa compositiva com ardor. Dessa época datam os sete lieder que escreveu baseados em ‘A dama do lago’, de Walter Scott. Por outro lado, em meados de 1826, solicitou ocupar o posto vago de diretor da apela da côrte. Uma vez mais, seu pedido foi negado, em favor de um músico mais conhecido em sua época, o diretor da Ópera de Viena, Joseph Weigl.

No verão de 1828, Schubert permaneceu em Viena, ocupado com a conclusão de suas últimas obras-primas e suportando novos embates da doença que, já fazia cinco anos, o molestava. Seus amigos perceberam o fato e passaram-se a encarregar das necessidades básicas do músico. Schubert viveu algumas semanas com seu amigo Jenger e, posteriormente, se mudou para a casa de seu irmão Ferdinand, nos arredores de Viena.

Ao terminar o período estival, decidiu regressar à cidade para aprofundar seus conhecimentos de contraponto com Simon Sechter, professor de harmonia e de composição que lhe ministrou somente uma aula, em 4 de novembro. Poucos dias mais tarde caiu novamente doente, e lhe foi diagnosticado tifo, em razão do qual os médicos o proibiram de comer. Em uma carta de 12 de novembro, dirigida à Schober, escrevia: ‘Levo onze dias sem comer e beber nada. Qualquer coisa que tento ingerir devolvo no instante...’.

Em pouco tempo seu estado de saúde foi se agravando e se viu obrigado a ficar em cama. Recebeu a visita de seus amigos e solicitou que fosse interpretado diante dele o ‘Quarteto n.º 14’ de Beethoven, desejo que cumpriu em 14 de novembro. Porém, os últimos dias passou só com seu irmão, pois o temor ao contágio acabou-lhe distanciando do seu círculo de amigos. Em 19 de novembro de 1828 exalava seu último suspiro.

Recentemente, o doutor Dieter Kerner escreveu uma interessante obra dedicada às doenças que afligiram os grandes músicos. Com base em suas teorias, o tifo não foi a causa de sua morte, em virtude da ausência de febre que apresentava Schubert. A sífilis foi a causa do óbito do compositor, como parecem demonstrar os resultados da autópsia, que indicava uma importante deterioração do córtex cerebral. Provavelmente, concluiu o doutor Kerner, a morte poupou o ainda jovem compositor do final que tiveram, por exemplo, Friederich Nietzsche e Hugo Wolf, condenados pela doença a viver seus últimos anos submergidos na loucura.

No dia 21 de novembro, o corpo de Schubert foi enterrado no cemitério de Währing. Seu amigo Franz Grillparzer se encarregou de redigir o epitáfio que hoje adorna seu túmulo, e que diz o seguinte: ‘A música enterrou aqui um rico tesouro/ e esperanças todavia mais belas./ Aqui repousa Franz Peter Schubert/ nascido em 31 de janeiro de 1797/ morto em 19 de novembro de 1828/ com a idade de 31 anos’. Em 1888, seu corpo foi transladado ao Zentralfriedhof - Cemitério Central - da capital austríaca, onde repousa junto ao de Beethoven, no chamado Panteão dos artistas.

As duas vertentes - Schubert vive na consciência de muitos, sobretudo de leigos, como compositor meio alegre e meio melancólico, algo leviano, enfim, tipicamente vienense. Não se pode negar que muitas obras de Schubert correspondem a essa definição. Mas também existe um outro Schubert, profundamente sério, compositor da mais alta categoria e sucessor digno de Beethoven. Não começou como músico ligeiro, evoluindo para a arte séria. Entre as suas primeiras obras já existem provas incontestáveis do gênio, ao passo que escreveu música ligeira até o fim da vida. A distinção das duas vertentes, serve, porém, como fio de orientação na obra de Schubert, muito volumosa e imensamente rica.

Música vienense - Grande parte das obras de Schubert é inspirada pelo folclore musical vienense (que é bastante diferente do folclore musical das regiões rurais da Áustria, base da inspiração musical de Haydn). As respectivas composições de Schubert são de melodismo fácil e insinuante, conhecidas e queridas no mundo inteiro: as marchas militares, as danças germânicas, as valsas, sobretudo a famosa Valsa da saudade. No mesmo estilo escreveu obras de grande formato, como o Quinteto para piano em lá menor - A truta (1819), cujo apelido deve-se à um dos movimentos ser variações sobre o lied homônimo de Schubert. A obra já foi definida como "de frescor de uma manhã nos campos". Música parecida é a do Trio para piano em si bemol maior (1827).

Música instrumental séria - Muitos incluem no grupo de música instrumental séria, a famosa Sinfonia n.º 8 em si menor - Inacabada (1822). A data mostra, aliás, que a obra não foi - como muitos acreditam - interrompida pela morte. O trabalho foi abandonado por motivos que se ignoram. A obra é hoje prejudicada pela imensa popularidade dos seus temas. Ouvida sem parti-pris, é obra séria, impressionante, de energia inesperada. Mas é muito mais importante a Sinfonia n.º 7 em dó maior (1828), a maior de todas as sinfonias entre Beethoven e Brahms, e que seria digna desses dois grandes mestres.

No entanto, as maiores obras instrumentais de Schubert foram realizadas no terreno da música de câmara. Os quartetos para cordas em lá menor (1824) e sol maior (1826) e o isolado movimento do Quarteto para cordas em dó menor (1820), fragmento de mais outra obra inacabada, são de grande categoria, mas superados pelo célebre Quarteto para cordas em ré menor - A morte e a donzela (1824), cujo apelido deve-se ao segundo movimento, onde constam variações sobre o lied homônimo do compositor. É obra digna de Beethoven, de intenso romantismo nostálgico. Mas mesmo a esse grande quarteto pode-se preferir o Quinteto para cordas em dó maior (1828), talvez a maior composição instrumental de Schubert.

Estilo - Schubert é clássico e romântico ao mesmo tempo. É clássico quanto à forma e a estrutura das composições instrumentais, seguidor de Haydn, Mozart e Beethoven. Às vezes intervêm mais outras influências, sobretudo a de Händel nas formas grandes da música sacra: os handelianos não acham, aliás, perfeita a Missa em mi bemol maior (1828), mas a Missa em lá bemol maior (1822), embora tão "profanamente alegre" como as missas de Haydn, é obra-prima.

O romantismo de Schubert revela-se, sobretudo, em seu uso da harmonia, que é no Quarteto - A morte e a donzela, por exemplo, audacioso e inovador. Romântico é também pelo uso de novas formas musicais, na música para piano solo. A Fantasia em dó maior - O caminhante (1822), denominada assim porque usa os ritmos do lied homônimo de Schubert, é - antes de Berlioz e Liszt - uma obra de música de programa. E os Improvisos Op. 142 (1827) antecipam de maneira surpreendente o estilo de Chopin.

Lieder - A obra instrumental de Schubert já bastaria para incluí-lo entre os maiores vultos da história da música. Mas Schubert é, além disso e sobretudo, o primeiro grande mestre do lied, do canto de câmara. Criou mesmo essa forma, que antes era seca e pouco poética, imperfeita até nas respectivas composições de Beethoven. Vale a pena salientar que só a forma estrófica desses lieder é a da canção popular alemã. Mas os lieder de Schubert não têm nada de folclórico: é a poesia lírica da música. E é principalmente nos lieder, na escolha dos textos e em sua ornamentação musical, que se revela o romantismo do compositor.

Entre os cerca de 600 lieder de Schubert, há muitos que pertencem ao gênero ligeiro, vienense, como A truta (1817), Para cantar na água (1823), O caminhante à lua (1826). Mas já na mocidade escreveu o compositor algumas de suas melhores peças: a famosa balada Erlkönig (1815), o altamente romântico O caminhante (1816), aproveitado depois na homônima fantasia para piano, A morte e a donzela (1817) e o comovente hino À música (1817). Romanticamente inspirado é também o belíssimo No crepúsculo (1824) e o ciclo A bela moleira (1823), em que se alternam a alegria e a melancolia.

Os grandes ciclos - Obras-primas são os 24 lieder do ciclo A viagem de inverno (1827): sobre textos medíocres de Wilhelm Müller (1794-1827) escreveu o compositor um grupo de peças profundamente trágicas, como os admiráveis O poste e O homem do realejo.

É de 1828, publicação póstuma Canto de cisne. Não é propriamente um ciclo, mas são os últimos lieder que o compositor escreveu, reunidos pelo editor sob aquele título. Pouco antes de morrer, tinha Schubert lido poesias de Heine, que lhe inspiraram alguns do lieder mais profundos desse último ciclo: A cidade, No mar, Vendo-se a si próprio como espectro, da mais alta dramaticidade. O ciclo termina com Despedida, que é ambiguamente alegre e fúnebre.

Quando Schubert morreu, a maior parte de sua obra estava inédita, de modo que se falava de "grandes esperanças só prometidas". Foi Schumann quem descobriu e publicou, anos depois, os originais das grandes obras instrumentais. Os lieder já tinham conquistado o mundo inteiro.

Qualquer apreciação da obra de Schubert deve levar em conta um dado crucial: seu prematuro desaparecimento que, em virtude da evolução que apresentavam suas últimas composições, provavelmente furtou ao mundo uma série de obras mestras.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Bach(Johann Sebastien)

Johann Sebastian Bach nasceu no dia 21 de março de 1685, em Eisenach, uma pequena cidade da Turíngia, no centro da Alemanha. Era descendente de uma família de músicos profissionais, que desde os tempos de Martinho Lutero (início do século XVI) vivia de seu trabalho e transmitia de geração em geração os segredos da arte musical.

Seu pai, João Ambrosio, era o músico da cidade. Com ele, aprendeu a tocar violino e viola, além de escrever as primeiras notas musicais. De acordo com a tradição familiar, J.S.Bach adquiriu uma profunda fé protestante. Sentado no banco do órgão da igreja de São Jorge, da qual seu tio era organista, aprendeu as primeiras noções desse instrumento.

Antes de fazer 10 anos, seus pais morreram. Seu irmão, Johann Cristoph, organista de Ohrdruf, o levou para sua casa e se ocupou de sua formação musical. Aos 15 anos, J.S.Bach ingressou no coral da igreja de São Miguel de Lüneburg. Recebia pela tarefa um salário e podia ir à escola de São Miguel para jovens nobres, onde estudou literatura, teologia, línguas antigas e filosofia.

J.S.Bach aproveitava as férias para viajar para os centros culturais mais próximos. Foi assim que, em Celle, recebeu a revelação da música francesa. Familiarizou-se principalmente com a obra de Lully e Couperin. Em Hamburgo, entrou em contato com a arte organística da grande tradição alemã, representada por Reinken e Lübeck. Obteve em 1703, o pôsto de violinista na corte ducal de Weimar.

O jovem músico conseguiu seu primeiro trabalho, como organista, na igreja de Neukirche, de Arnstadt. Mas, durante esse período, passou quatro meses em Lübeck, onde recebeu lições de Buxtehude que modificaram totalmente sua maneira de interpretar o órgão.

Ao regressar a Arnstadt, essas mudanças foram rejeitadas: sua maneira pessoal de tocar o órgão provocou conflitos com as autoridades eclesiásticas que sentiam suas artes de organista e suas intenções de reformar a música litúrgica como excrescências inconvenientes do serviço da igreja luterana. A paciência dos fiéis chegou ao limite quando do coro surgiu a voz de uma mulher, contrariando o costume de não permitir intérpretes femininos no templo.

O ambiente tornou-se hostil para J.S.Bach e, em julho de 1707, ele aceitou o cargo de organista na igreja de São Blásio, em Mühlhausen. Foi em Arnstadt e Mühlhausen que J.S.Bach compôs suas primeiras obras religiosas. Em formidáveis cantatas, combinou o barroco nórdico de Buxtehude com o colorido da música francesa, que conhecera em Celle. Em outubro do mesmo ano, J.S.Bach casou-se com sua prima Maria Bárbara, cuja voz no coro havia deixado indignados os moradores de Arnstadt.

Em meados de 1708, contratado pelo duque Wilhelm Ernest, foi organista da corte em Weimar, onde iniciou a série de suas obras de música sacra. Apesar de receber uma boa remuneração por seu trabalho, J.S.Bach considerava que não era apreciado em sua justa medida, e por essa razão aceitou uma oferta do príncipe Leopold von Anhalt, de Cöthen.

Em fins de 1717 instalou-se em Cöthen, mas antes passou um mês em um calabouço de Weimar. Foi diretor da orquestra do príncipe, Leopold von Anhalt. Nesse ducado, como a religião calvinista não admitia música de arte na igreja, J.S.Bach dedicou-se principalmente à composição de música instrumental. Deixou-se levar por sua natureza profunda, a do músico puro, e, sem se esquecer de Deus e da função religiosa de sua arte, cultivou com prazer as formas musicais profanas. Os Concertos de Brandenburgo (6) e as Suítes orquestrais (5) pertencem a essa época de grande produção.

Em 1718, foi nomeado compositor da côrte do rei da Polônia. No ano seguinte morre sua mulher, com quem J.S.Bach teve sete filhos. Mas em 1721, casou-se pela segunda vez: sua esposa, Ana Madalena Wülken, era uma destacada cantora da corte de Cöthen. J.S.Bach teve com ela mais treze filhos, acarretando-lhe uma situação financeira bem precária.

Depois da morte do príncipe, ganhou em 1723 o posto de Kantor (isto é, diretor de música da universidade) da igreja de São Tomás, em Leipzig, onde levou vida de alto prestígio social, embora amargurada por preocupações financeiras e freqüentes conflitos com o conselho da cidade, por causa de verbas insuficientes. Além de ganhar menos do que em Cöthen, foi obrigado a realizar tarefas na escola da igreja que não eram de seu agrado.

Só seu desejo de cumprir o objetivo de criar músicas só para servir a Deus explicava a tão desvantajosa mudança. Em recompensa, o eleitor da Saxônia e a Universidade de Leipzig ofereciam-lhe títulos honoríficos e outras honrarias. J.S.Bach alcançou grande fama de virtuose no órgão. Nessa etapa compôs brilhantes oratórios, missas, cantatas, e as duas paixões mais conhecidas - São João e São Mateus.

Enquanto as autoridades de Leipzig desprezavam J.S.Bach, a fama do compositor se estendia fora das fronteiras da cidade. O conde Hermano de Keyserling, da Prússia, pediu ao maestro que compusesse música para preencher de melhor maneira suas habituais noites de insônia. Assim nasceram as célebres Variações de Goldberg(1742).

J.S.Bach foi se retirando da vida ativa e se refugiou em seu mundo interior, em contato com a música e com Deus. Viajou para Dresden e em 1747 para Potsdam, onde o rei Frederico II, o Grande, lhe admirou as artes no órgão e no cravo. Escreveu, em recordação desta visita, a Oferenda musical.

Perdeu a visão em 1749, o que não o impediu de trabalhar na Arte da fuga, que ficou inacabada com a sua morte, em 28 de julho de 1750. Quatro de seus filhos tiveram êxito na música: Wilhelm Friedemann Bach, Johann Christopher Bach, Carl Philipp Emmanuel Bach e Johann Christian Bach. A viúva morreu de penúria num asilo de pobres.

Conforme o consenso geral, J.S.Bach é o maior compositor de todos os tempos, sendo considerado o precursor da música moderna. Sua música se caracteriza pelo arrojo da harmonia, rica em expressão, e pelo desenvolvimento lógico da melodia, contudo, sua imaginação musical é bastante complexa.

Sua vida passou-se em ambientes modestos, e sem maiores contatos com o mundo exterior. Quase nada se sabe de sua personalidade: devoção luterana que combina com apreço aos prazeres deste mundo; bom pai de família (20 filhos, de dois casamentos); funcionário pontual, mas homem irascível, sempre brigando com seus superiores; homem culto, mas inteiramente dedicado à sua enorme produção de obras, que só foram escritas para uso funcional ou para exercícios de música em casa.

A psicologia desse grande artista fica-nos fechada e não é possível verificar a evolução de sua arte, que começa e termina com obras-primas em vários estilos, escolhidos pelo mestre conforme necessidades exteriores. Em todo caso, J.S.Bach não é um devoto permanentemente ajoelhado nem um artifício de fugas, mas cultivou todos os gêneros (com exceção da ópera) com mesma mestria. J.S.Bach é o maior mestre da fuga e do contraponto, e no órgão superou a arte de Buxtehude.

J.S.Bach resumiu toda a arte musical polifônica dos séculos XVI e XVII e do início do século XVIII. Mas também sofreu, na melodia, a influência dos seus contemporâneos Couperin e, sobretudo, Vivaldi. Ficou alheio da nova arte homófona que começou e venceu em seu tempo. Em vida, foi J.S.Bach só apreciado como virtuose no órgão. Sua arte era cronologicamente confusa, numa época de predomínio da ópera italiana.

A mudança do gosto musical, por volta de 1750, com a nova música instrumental como a de seu filho Carl Philipp Emmanuel Bach e de Haydn, assim como a decadência do espírito religioso de sua época (J.S.Bach é contemporâneo de Voltaire) explicam a pouca irradiação de suas obras durante a sua vida e o esquecimento total depois de sua morte. Só O cravo bem temperado continuou sendo usado como obra didática.

Deve-se à Mendelssohn a redescoberta de J.S.Bach, que em 1829 regeu em Berlim a primeira execução pública da Paixão segundo São Mateus. Desde então, a glória de J.S.Bach não deixou de crescer. Seguiu-se a descoberta das obras instrumentais: Forkel a reeditou algumas obras, Spitta e o regente Mottl prestaram o mesmo serviço para a publicação das cantatas. Schumann e Brahms exaltaram a glória do ‘velho Bach’.

Na segunda metade do século XIX é J.S.Bach venerado, um pouco romanticamente, como grande antepassado. Mas só no século XX sua influência se torna viva e quase avassaladora, ao passo que muitas obras suas alcançam surpreendente popularidade. Enfim, fez-se justiça a um dos maiores artistas da humanidade. Sua arte é hoje considerada como o fundamento de toda a música.

Motetos - A primeira faceta de sua arte é arcaica, de um misticismo gótico, que se manifesta em motetos à capela, sem acompanhamento orquestral. J.S.Bach cultivou pouco esse gênero, já inteiramente obsoleto em seu tempo. Mas são obras-primas os motetos Jesus, minha alegria (1723) e Cantai um novo cântico ao Senhor (1730).

Órgão - Em primeira linha, J.S.Bach é um compositor barroco, isto é, sua arte musical enche espaço imaginários. O instrumento ideal para tanto é o órgão, e realmente J.S.Bach é o maior organista de todos os tempos. Suas obras para esse instrumento bastam para formar o repertório inteiro hoje em uso.

As Sonatas para órgão (6) são as melhores obras didáticas em existência, mas cada uma delas é artisticamente perfeita. É muito popular a Tocata e fuga em ré menor (1708-1717) e é especialmente famosa a Passacaglia em dó menor (1708-1717) depois, a Tocata e fuga em fá maior (1708-1717), a Fantasia e fuga em sol menor (1708-1717) e a gigantesca Tocata e fuga em tono dórico (1708-1717). São as obras-primas do gênio contrapontístico de J.S.Bach.

Enfim, o mestre resumiu sua arte organística num volume chamado Exercício para as teclas (1726-1731), de peças baseadas em corais luteranos, espécie de grandioso catecismo sem palavras. A fuga introdutória dessa obra é conhecida como Fuga de Ana.

Cantatas - Os motetos, assim como as obras organísticas, parecem especificamente nórdicos, em comparação com as cantatas, destinadas a serviços de tarde dos domingos. Pois nas árias, abundantemente melodiosas, dessas cantatas é evidente a influência da ópera italiana. Das centenas de cantatas que J.S.Bach escreveu, muitas se perderam. Subsistem 198, que são hoje as obras mais executadas da música barroca.

Para citar só as mais importantes: Tive muita preocupação BWV 21 (1714), Coração e boca e ação e vida BWV 147 (1716), com o famoso coro Jesus, alegria dos homens, a cantata para a festa da Reforma BWV 80 (1716-1730), O Cristo esteve à morte BWV 4 (1724), Quero sustentar a cruz BWV 56 (1731), Jesus quer minha alma BWV 78 (1740), Acordai BWV 140 (1731), etc.

A numeração nada tem a ver com a cronologia e refere-se à ordem da publicação moderna das cantatas, nas quais tampouco é possível verificar evolução ou amadurecimento. Uma das maiores, Actus tragicus BWV 106, destinada a um enterro, é da mocidade do compositor, de 1707 a 1711.

J.S.Bach reuniu seis cantatas sobre textos natalinos para o delicioso Oratório de Natal (1734). Cantata também é uma das raras composições do mestre com letra em latim, o Magnificat (1723), que é realmente magnífico. Enfim, J.S.Bach escreveu várias cantatas com textos profanos e até humorísticos, como a Cantata do café (1732) e a Cantata dos camponeses (1742).

Grandes obras corais - As maiores obras corais do mestre são Paixão segundo São João (1723), a grandiosa Paixão segundo São Mateus (1729) e - caso estranho, tratando-se do maior compositor do protestantismo - a gigantesca Missa em si menor (1733-1738), obra sui generis, de espírito ecumênico.

Obras de música instrumental - Na música instrumental de J.S.Bach é evidente a influência de Vivaldi e também, nas obras pianísticas, a de Couperin. O número de obras-primas é tão grande que só algumas podem ser mencionadas: o Concerto para cravo em ré menor (1729-1736), os Concertos para violino em mi maior (1717-1723) e em lá menor (1717-1723), o Concerto para 2 violinos em ré menor (1717-1723), as Suítes orquestrais n.º 2 em si bemol menor e n.º 3 em ré maior, ambas de 1722, as deliciosas sonatas para cravo e violino e para cravo e flauta (1717-1723). Para cravo solo, as Suítes Inglesas (1725), as Suítes Francesas (1722), as partitas e o impressionante Concerto Italiano (1735).

Obras experimentais - Obras à parte são as experimentais, em que J.S.Bach consegue escrever polifonicamente para um instrumento de cordas: as Suítes para violoncelo solo (6) (1720), hoje famosas na interpretação de Casals, as sonatas para violino solo (1720) e a Suíte para violino solo n.º 2 em si bemol menor (1720), cujo último movimento é a famosa Ciaccona.

Obras didático-monumentais - J.S.Bach reuniu em sua personalidade artística dois elementos contraditórios: o didático-sistemático e o monumental. Suas obras talvez mais perfeitas são aquelas em que pretende esgotar sistematicamente todas as possibilidades de um determinado gênero, construindo ao mesmo tempo estruturas monumentais. Os Concertos de Brandenburgo (6) (1721) são os exemplos mais perfeitos do gênero concerto grosso, e o monumento desse gênero, então já um tanto obsoleto.

As Variações de Goldberg, para cravo, dedicadas ao cravista desse nome (1742), são a primeira grande obra de variações da literatura musical. O cravo bem temperado (1722-1744), duas séries de 24 prelúdios e fugas cada uma, a "bíblia do pianista", é um curso prático da arte de escrever e tocar contrapontisticamente e, ao mesmo tempo, um manual completo do sistema tonal moderno.

Enfim, são monumentos da arte de escrever fugas a Oferenda musical (1747) e a Arte da fuga (1748-1750), que ficou incompleta. Essa última obra não está destinada a determinados instrumentos. É música altamente abstrata, que já foi diversamente instrumentada.

Projeção - J.S.Bach resume toda a arte polifônica dos séculos XVI e XVII e do início do século XVIII. Mas ficou alheio à nova arte homófona que começou e venceu em seu tempo. Assim como a decadência do espírito religioso em sua época (J.S.Bach é contemporâneo de Voltaire), explicam a pouca irradiação das suas obras durante sua vida e o esquecimento total depois de sua morte. Só O cravo bem temperado continuou sendo usado como obra didática.

Em 1829, Mendelssohn desenterrou e regeu em Berlim a Paixão segundo São Mateus, ressuscitando o velho mestre. Segui-se a descoberta das obras instrumentais e, enfim, a publicação das cantatas. Schumann e Brahms exaltaram a glória do "velho Bach". Na segunda metade do século XIX é J.S.Bach venerado, um pouco romanticamente, como grande antepassado. Mas só no século XX sua influência se torna viva e quase avassaladora, ao passo que muitas obras suas alcançaram surpreendente popularidade.

Quase todas as obras de J.S.Bach são hoje executadas com freqüência, de tal modo que algumas conquistaram divulgação internacional.

Concertos de Brandenburgo (6) - Seis concertos grossos, em fá maior, em fá maior, sol maior, sol maior, ré menor e si bemol menor. Escritos em 1721, sob a influência evidente de Vivaldi, destiguem-se da arte do mestre italiano pela maior densidade polifônica e pela temática, que é em parte aristocrática e, em parte, folclórica alemã. Nesses concertos grossos, dos últimos que foram escritos no século XVIII, J.S.Bach eregiu um monumento ao gênero. Experimenta todas as combinações possíveis de orquestração e de polifonia instrumental. Embora sendo música absoluta, sem qualquer apelo a sentimentos extramusicais, os temas e aproveitamento dos temas sugerem extensa gama de emoções, de alegria, melancolia, meditação, ternura, brilho virtuosístico e de intensa energia mental. Esses concertos são a mais perfeita obra instrumental do mestre.

Arte da fuga - 19 fugas sobre um tema, cujo contra-sujeito é a seqüência melódica si bemol-lá-dó-si, isto é, em notação alemã, B-A-C-H. No fim da obra, que ficou em 1750 incompleta, encontra-se um coral. É uma obra-prima da arte contrapontística de J.S.Bach. É notada sem a indicação dos instrumentos que a deveriam executar. Das versões modernas, as mais conhecidas são para orquestra de câmara, de Wolfgang Graeser, e para dois pianos, de Bruno Seidlhofer.

Paixão segundo São Mateus - Escrita em 1729, obra colossal, de dramaticidade barroca e, no entanto, de devoção íntima. Além da parte do evangelista, recitativos maravilhosamente adaptados ao texto bíblico, e além das grandes árias e coros, são sobretudo notáveis os breves e incisivos coros do povo. É hoje, uma das obras mais populares do compositor.

Missa em si bemol menor - Escrita entre 1733 e 1738, dedicada ao eleitor (convertido ao catolicismo) da Saxônia. Não se trata, porém, de uma concessão feita pelo compositor luterano. O texto litúrgico é dividido em trechos curtos, de modo que se trata de uma coleção de cantatas. E as palavras "unam sanctam et apostolicam Ecclesiam" são compostas sobre as respectivas notas do cantochão gregoriano, indicando que se trata de uma obra espiritualmente anterior à separação das confissões pela Reforma. É a maior composição de texto que existe.

O cravo bem-temperado - 48 prelúdios e fugas para cravo, escritos em 1722 e em 1744. As dificuldades técnicas da execução e a riqueza inesgotável da polifonia inspiram, para essa obra, o apelido de "bíblia do pianista". Ao mesmo tempo, a obra esgota todas as possibilidades do sistema tonal moderno (daí o título "bem temperado"). É notável o fato de que a primeira parte foi escrita em 1722, no mesmo tempo em que Rameau publicou, para os mesmos fins, seu Tratado de harmonia (1722).

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

22 de Dezembro


  • No ano de 1808, em Viena é apresentado o 4º concerto para piano de Beethoven 

Wagner

Wilhelm Richard Wagner nasceu em Leipzig (Alemanha) a 22 de maio de 1813. Foi educado em Dresden por seu padastro, o ator Ludwig Geyer. Como estudante, ocupou-se como autodidata, com música e adquiriu vastos conhecimentos literários. Em Leipzig, a partir de 1827, continuou estudando mais sistematicamente harmonia e contraponto, dedicando-se também aos estudos de filosofia. Seus mestres, nessa época, foram: Gottlieb Müller (piano) e T.Weinling (contraponto). Escreveu uma sinfonia em dó maior e outras obras de música instrumental.

Revolucionário na mocidade, Wagner tornou-se depois extremado nacionalista alemão anti-semita e reacionário, dedicando-se também à divulgação do budismo e do vegetarianismo. Essas idéias, dominando no início apenas a pequena seita dos wagnerianos, desembocaram depois o nacional-socialismo alemão.

Ocupou cargos de regente em Würzburg (1833) e do teatro municipal de Magdeburgo (1834), onde apresentou uma pequena obra de sua autoria, denominada Das Liebesverbot inspirada numa peça de Shakespeare, que todavia não alcançou sucesso. Casou com a atriz Minna Planer (1836), mas o matrimônio tornou-se muito infeliz.

Exerceu a função de regente no teatro de Königsberg e em 1837 foi diretor do teatro alemão em Riga. Em 1839 tentou a sorte em Paris, onde viveu na miséria. Exatamente nesse período escreveu sua primeira grande composição, Rienzi (1840). Depois do êxito de O navio fantasma (1841), foi, em 1842, nomeado diretor da ópera em Dresden. Graças à esses sucessos, também conquistou o lugar de mestre de capela da côrte da Saxônia, revelando suas qualidades de regente.

Influenciado pelas idéias de Proudhon, participou em 1849 da revolução em Dresden, fugindo depois para Zurique (Suíça), a fim de evitar a sua prisão. Ali escreveu suas mais importantes obras teóricas: A obra de arte do futuro (1850) e Ópera e drama (1851). Auxiliado por Liszt, conseguiu, mesmo no desterro, fazer representar a sua ópera Lohengrin, em Weimar.

Entrou em contato com Ferreira França, em missão do governo brasileiro na Alemanha: enviou à D. Pedro II uma carta, um livro e as reduções para piano de três óperas suas, e recebeu convite para uma viagem ao Brasil (1857), que não se concretizou.

A leitura assídua de Schopenhauer transformou-o em pessimista quase místico e o amor a Mathilde Wesendonck, esposa de seu mecenas, inspirou-lhe Tristão e Isolda (1859), ópera terminada em Veneza. Em 1861, Tanhäuser foi representado em Paris, mas foi vaiado, intensificando cada vez mais o nacionalismo alemão de Wagner.

Conseguindo o perdão, retornou à Alemanha, sob a proteção do jovem rei Ludwig II, da Baviera: Wagner foi chamado para Munique (1864), e teve à sua disposição grandes recursos financeiros para realizar suas idéias de um novo drama musical, além de ser presenteado com uma vila. Em 1869, ao representar O ouro do Nibelungo, que em Munique alcançou um sucesso ímpar, conseguiu do rei licença para construir um teatro, projetado segundo os mais revolucionários métodos arquitetônicos, ocultando inclusive a orquestra aos olhos do público. Aí seriam representadas especialmente, as suas obras.

Em Munique começaram as relações com Cosima, filha de Liszt e esposa do regente Hans von Bulöw, que tinha feito a propaganda da música de Wagner. Conseguidos os divórcios, Wagner e Cosima casaram em 1870, vivendo em Triebschen (Suíça). Foram anos de completa felicidade: Cosima deu à luz um filho, Siegfried.

Até então tinha sido Wagner tenazmente combatido pelos músicos conservadores (Brahms, Joachim) e pela imprensa liberal. Mas depois da guerra de 1870, os círculos oficiais começaram a apoiar o compositor nacionalista.

Em 1872, Wagner fixou residência na Villa Wahnfried em Bayreuth, rodeado de um grupo de admiradores fanáticos (os wagnerianos). Nesta cidade, em 1876, Wagner inaugurou o seu próprio teatro (Teatro de Festivais), dedicado à representação exclusiva das suas obras. Morreu subitamente em Veneza a 13 de fevereiro de 1883: está enterrado nos jardins da Villa Wahnfried.

Inícios - A primeira ópera de Wagner, As fadas (1834) não passa de imitação do romântico Weber. A proibição de amor (1836), revela a influência da ópera francesa (Auber). Rienzi (1840) é uma ‘grande ópera’ no estilo Meyerbeer. São três obras que Wagner excluiu, mais tarde, do ciclo de representações em Bayreuth.

Neo-Romantismo - Em O navio fantasma (1841), que trata a lenda do holandês errando pelos mares e sua redenção pelo amor de uma mulher, ainda são fortes as influências de Weber e outras. Mas é a primeira obra de Wagner que revela o seu estilo próprio, a instrumentação impressionante e a adaptação perfeita da linha melódica ao texto. Tannhäuser (1844) já é uma obra-prima, de forte dramaticidade, embora ópera ainda em estilo convencional. O romantismo de Wagner aprofundou-se, nesses anos, pela leitura de Schopenhauer e pela descoberta das possibilidades poéticas das lendas medievais.

Em Lohengrin (1848) rompeu Wagner com o esquematismo da ópera convencional. As cenas são durchkomponiert, isto é, as árias e os coros não são interrompidos por diálogos ou recitativos, constituindo cada cena uma unidade musical completa, e os movimentos dramáticos são focalizados por motivos que sempre voltam (leitmotive). É o primeiro drama musical.

As obras-primas - Para acompanhar exatamente a evolução posterior de Wagner, é necessário retificar a cronologia: usualmente se afirma que O anel do Nibelungo, ciclo iniciado já no começo dos anos de 1850, só foi concluído em 1874, sendo precedido por Tristão e Isolda (1859) e Os mestres-cantores de Nuremberg (1867). A verdadeira cronologia é diferente, algo mais complicada. Wagner escreveu primeiro O ouro do Reno (1854), primeira parte da tetralogia de O anel do Nibelungo, tirada da versão nórdica da lenda, ressuscitando a mitologia germância; pois só o mito lhe parecia digno de ser apresentado como drama musical.

Seguiu a segunda parte, As valquírias (1856), que é, do ponto de vista dramático, a obra mais forte de Wagner. A terceira parte, Siegfried, foi começada em 1856, mas o trabalho foi interrompido pelo episódio Mathilde Wesendonck que inspirou ao compositor Tristão e Isolda. É, indubitavelmente, a maior obra do compositor, uma grande tragédia de amor, posta numa música audaciosamente moderna, de fortes cromatismos que levam até a fronteira do sistema tonal.

Em Os mestres-cantores de Nuremberg não continuou Wagner neste caminho: é uma ópera alegre, exaltando o passado renascentista alemão, escrita em admirável linguagem contrapontística; sobretudo, a abertura é uma obra-prima.

Só depois voltou o compositor ao Anel do Nibelungo. As duas primeiras partes foram revistas, Siegfried foi concluído em 1859, e o ciclo foi terminado pela tragédia Crepúsculo dos deuses (1874). É música que parecia revolucionária aos contemporâneos, mas que se afigura hoje, depois de Tristão e Isolda, mais convencional. A última obra de Wagner, Parsifal (1882), é o resumo de sua filosofia pessimista e de sua religiosidade meio cristã e meio budista, numa linguagem musical que volta à de Lohengrin e As valquírias.

Influência - Wagner, embora tão combatido em vida, exerceu sobre a música alemã uma influência avassaladora. Mas de todos os seus adeptos só Bruckner, na sinfonia, e Wolf, no lied, conseguiram produzir algo de original. No terreno próprio de Wagner, na ópera, fracassaram todas as tentativas (com a única exceção de Richard Strauss) de continuar-lhe o caminho. Por volta de 1910, a influência de Wagner na Alemanha, ainda forte por motivos políticos e filosóficos, já foi nula na música. Essa influência foi muito mais forte na França, onde o wagnerismo teve adeptos apaixonados em toda a época entre Baudelaire e Proust.

Política - O impacto de Wagner sobre os círculos intelectuais franceses é surpreendente, numa época de nacionalismo germanófobo. Indubitavelmente, Wagner foi fanático nacionalista alemão (e inimigo da França). Os wagnerianos foram pan-germanistas e seus maiores admiradores seriam, mais tarde, os nazistas. Contra esse fato não adianta citar o proudhonismo revolucionário de Wagner na mocidade (a idéia fundamental de O anel do Nibelungo ainda é a maldição inerente ao ouro). Mas o wagnerianismo em sentido político e filosófico já desaparecem. O que importa é a música.

Dramaturgia - Wagner escreveu, ele próprio, todos os seus libretos. Seu talento como poeta é inexistente: os versos, sem a música, são quase sempre ridículos. Em compensação, foi Wagner um grande dramaturgo. Seu gênio duplo, de dramaturgo e de compositor, levou-o a retomar a reforma da ópera, já tentada um século antes por Gluck, subordinando a música ao enredo dramático, criando o drama musical. Ao drama também quis subordinar a cenografia, retomando a idéia romântica do Gesamtkunstwerk (obra de arte total). Usando com virtuosismo todos os recursos do palco ilusionístico, é Wagner antes de tudo um grande, mesmo um grandíssimo homem de teatro.

A música - A essa arte teatral subordinou Wagner sua música, que hoje é capaz de existir e de impressionar mesmo fora da casa de ópera. Suas artes de orquestração, influenciadas por Berlioz, são incomparáveis e sua arte de adaptar a melodia à língua é personalíssima. Contra esses fatos não prevaleceu o anti-wagnerismo nacionalista de Debussy, e atualmente é o compositor vanguardista Pierre Boulez, um dos maiores regentes da obra de Wagner.

Romantismo e Modernismo - Em plena época industrial recriou Wagner o Romantismo; o que explica, em grande parte, o entusiasmo dos simbolistas franceses. A música de Wagner é mesmo de consumação do Romantismo alemão, dizendo em acordes o que este não conseguiu dizer em palavras. Mas também é a crise do Romantismo, pois o preço foi a quase total dissolução do sistema harmônico em Tristão e Isolda, obra que foi e continua sendo a base da música moderna.

O último grande obstáculo da recepção moderna de Wagner, depois do desaparecimento das suas idéias políticas, foi seu uso de um ilusionismo pomposamente barroco no palco, que é insuportável no século XX. Mas esse obstáculo foi eliminado pelas artes de direção do seu neto Wieland Wagner (1917-1966), que criou em Bayreuth, a partir de 1946, novas encenações de Tristão e Isolda, Os mestres-cantores de Nuremberg, O anel do Nibelungo e Parsifal, sem falso realismo, de feição puramente simbólica.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Chopin

Os historiadores poloneses, inconformados, tentaram de todas as formas encontrar raízes eslavas para a sua grande glória nacional. No entanto, o maior músico da Polônia era mesmo filho de um imigrante francês, passou a maior parte de sua vida em Paris e, hoje, é universalmente conhecido como Frédéric François Chopin , e não com o nome de Fryderik Franciszek que lhe foi dado quando o batizaram na igrejinha de Brochów, próximo ao solar de Zelazowa Wola, a seis léguas de Varsóvia, onde nasceu.

Não se sabe bem por que Nicolas Chopin, filho de um carpinteiro de Marainville, perto de Nantes, nascido em 1771, deixou a Lorena aos 17 anos e foi para Varsóvia. Em 1802, Nicolas tornou-se preceptor dos seis filhos da condessa Vitória Skarbek. Em sua propriedade de Zelazowa Wola, conheceu a pianista Justina Krzyzanowska, dama de honra e parente distante da dona da casa. Casaram-se em 2 de junho de 1806, e a condessa os instalou em um anexo de sua mansão. Ali nasceu, a primeira filha, Luisa, a quem o pai chamava de Louise. A 22 de fevereiro de 1810, nascia o menino Fryderik, que teve a condessa como madrinha.

Logo após o nascimento desse segundo filho, a família mudou-se para Varsóvia, onde Nicolas acabara de ser nomeado professor de francês do Liceu. Deram-lhe um espaçoso alojamento no antigo Palácio Saxão, onde a escola funcionava e, para aumentar seus rendimentos, ele passou a alugar cômodos a filhos das famílias aristocráticas que vinham estudar na cidade. Nos anos seguintes nasceram Isabel e Emília e Nicolas teve que trabalhar mais, passando também a lecionar na Escola de Artilharia e Engenharia.

A vocação de Fréderic para a música revelou-se cedo. Contam que, bébé ainda, engatinhava para debaixo do cravo, cada vez que a mãe estava tocando. Certo dia, ao escutar marchas militares, emitiu uns gritos desesperados - mais tarde, ao lembrar o episódio, Chopin declarou que desde pequeno detestava a música barulhenta e vazia. Aos seis anos de idade, encontraram-no uma noite, empoleirando no banquinho do harmónio, tentando tirar uma melodia. Estava claro que o menino era inusitadamente dotado. Diante disso, contrataram o melhor professor disponível na época: Adalberto Zywny, tcheco de nascimento, que viera para a Polônia na comitiva do príncipe Sapieha e tornara-se pianista da corte de Stanislau Augusto Poniatowski.

Dizem que só o seu piano conseguia acalmar as bruscas crises de mau-humor e melancolia do duque Constantino Pavlovich, irmão do czar, vice-rei da Polônia. Em 1817, ele começou a exercer uma espécie de mecenato sobre Chopin. Com freqüência o ordenança do duque vinha buscá-lo em sua casa, e o levava ao Palácio do Belvedere, onde o vice-rei o ouvia durante horas.

Até mesmo que o menino soubesse escrever, Zywny já anotava as suas tentativas de compor pequenas melodias. Em janeiro de 1818, pouco antes de fazer oito anos, apresentou-se em público pela primeira vez, tocando um concerto para piano e orquestra de Adalberto Gyrowetz, compositor tcheco muito apreciado na época - escreveu também, nessa ocasião, uma peça teatral, em colaboração com a sua irmã -; e o professor conseguiu que fosse publicada sua primeira composição, uma polonesa dedicada à condessa Skarbek.

Comentando esse recital, o Jornal de Varsóvia afirmou: 'O filho de Nicolas Chopin, professor de francês e literatura no Liceu de Varsóvia, é um verdadeiro génio musical. Executa ao piano, com facilidade e gosto notáveis, os trechos mais difíceis, e já compôs danças e variações que enchem de espanto os críticos e conhecedores. Se tivesse nascido na Alemanha ou na França, sem dúvida, já seria célebre no mundo inteiro'. E o autor do artigo concluiu com uma nota indisfarçada de ufanismo: 'Desejamos lembrar ao leitor que nosso país também pode produzir génios!'. Foi o que bastou para que fosse comparado a Mozart.

Surgiram convites para que ele tocasse em salões da nobreza. A banda do exército fez um arranjo de uma marcha que ele tinha composto. Ao visitar o Liceu, a czarina-mãe pediu para ouvi-lo e, além de tocar para ela duas polonesas de sua autoria, o menino declamou também um poema em francês, provavelmente escrito por seu pai.

Diferente do pai de Mozart (Leopoldo), Nicolas Chopin não pensava em tirar proveito financeiro do talento precoce de seu filho. Ao contrário: prezando muito os diplomas universitários, insistiu para que ele cursasse o Liceu, entre 1823 e 1826. Literatura e teatro, principalmente, o atraíam muito, além da música, a ponto de ter fundado, com as irmãs e os colegas de pensão - mais numerosos desde que a família passara a ocupar os cômodos bem amplos do Palácio Casimir - uma Sociedade de Recreação Literária, destinada a fazer encenações domésticas de comédias que eles mesmos escreviam.

O Fréderic criança pouco tinha a ver com a imagem do adulto introspectivo, doentio e melancólico que nos vêm a mente quando pensamos em Chopin. Estudava seriamente música, mas tinha um caráter alegre e impulsivo, e os interesses de um menino normal, como demostram as cartas escritas para casa durante as férias de verão passadas em Szafarnia, a sudoeste de Varsóvia, em casa dos pais de Domenico, um dos pensionistas da família Chopin. Sua vida, entretanto era cansativa: a todo momento era chamado para tocar em público. Nos dois grandes concertos que deu em 1825 - ano marcante, pois em junho foi publicado, por Brzezina, o maior editor de música da Polónia, o seu Rondo em dó menor Op. 1 -, a crítica o acolheu como 'o maior pianista de Varsóvia'. Os estudos no Liceu, que estavam em sua fase final, também exigiam muito dele; e eram dias muito tensos, pois o assassinato do czar Alexandre III e a revolta dos decembristas tinham provocado, na Rússia, violenta repressão cujas ondas chegavam até a Polónia, onde houve várias prisões e alguns patriotas chegaram a ser mortos. Tudo isso afectou muito o jovem Chopin que, e junho, após obter o diploma, teve de ser levado pela mãe para um tratamento na estação de águas Reinerz, na Silésia.

De volta a Varsóvia, Chopin foi matriculado no Conservatório, para receber noções mais avançadas de harmonia e contraponto, onde conheceu um dos homens que maior influência teriam sobre ele: o diretor da escola, José Elsner. Nascido da Silésia, Elsner era culto, afável, muito amado pelos alunos, de quem estava sempre rodeado. Começara a carreira como primeiro violino da orquestra de Brno, na actual Rep. Tcheca; depois tornara-se regente em Lwów e diretor da Ópera de Varsóvia, antes de chegar ao cargo que ocupava quando o seu caminho cruzou com o de Chopin.

Autor de 23 óperas, missas, sinfonias, Elsner empenhou-se muito, sobretudo, na criação de uma escola nacional polonesa de música. Nesse sentido, escreveu a Dissertação sobre a métrica e ritmo da língua polonesa, na qual procurava demonstrar - contradizendo a opinião dos conservadores - ser perfeitamente possível desenvolver um repertório de canções na língua pátria, tão eufónica e adequada à escrita musical quanto o italiano, o francês ou o alemão. Essa preocupação nacionalista de Elsner marcou profundamente o seu discípulo: as polonesas, as mazurcas, o entranhado sabor polonês que há em cada uma de suas melodias.

Foram anos despreocupados, de alegres temporadas passadas no castelo de Antonio Radziwill, músico amador que tocava violoncelo e compunha (uma de suas filhas, Eliza, era artista plástica e desenhou várias vezes retratos de Chopin ao piano). Mas foi também a época da primeira advertência quanto à grande sombra que planaria sobre ele a vida inteira: em março de 1827, a tuberculose levou sua irmã Emília (Justina envergou, pela filha, um luto que nunca mais tiraria). Os problemas de saúde que, de vez em quando, o obrigavam a ir descansar em Reinerz, em breve demonstrariam ser muito mais graves.

Nessa época, Chopin fazia enorme sucesso como virtuose e compunha ativamente: valsas, polonesas, mazurcas, o belo Noturno em mi menor que só seria publicado após a sua morte. E principalmente as Variações sobre o tema do La ci darem la mano, de Don Giovanni de Mozart - que, ao serem publicadas, em 1831, provocariam de Schumann uma reação famosíssima. Ele iniciaria um artigo no Jornal Geral da Música, de Leipzig, exclamando: 'Tirem os chapéus, senhores, um génio!'. Esta é a fase também em que Chopin tentou trabalhar com as grandes formas tradicionais: a Sonata em dó menor Op. 4, o Trio em sol menor que dedicou a seu hospedeiro Radziwill, a Grande fantasia sobre árias polonesas Op. 13, para piano e orquestra, as canções sobre poemas em polonês.

Permanecer isolado na Polónia começava-lhe pesar. Chopin sentia serem necessários vôos mais ousados. 'Não seria melhor se eu fosse para Paris?', perguntou ao médico que lhe aconselhara nova estação de águas em Reinerz. Sentia a vontade de cortar as amarras que só aumentou depois que, em setembro de 1828, foi a Berlim acompanhado de Felix Jarocki, colega de seu pai na universidade, que ia participar, na capital da Prússia, de um congresso de naturalistas organizado pelo famoso Alexandre de Humboldt. Lá, ficou fascinado ao escutar a Ode para o dia de Santa Cecília, de Haendel. O contato com a cidade - que fazia Varsóvia parecer uma aldeia - e a possibilidade de ouvir obras de Spontini, Cimarosa, Weber e Mendelssohn deram-lhe a certeza de que o seu destino estava fora da Polônia.

Tendo o governo polonês recusado uma bolsa de 5 mil florins a seu filho - 'recursos dessa ordem não podem ser desperdiçados com artistas', dizia a resposta do ministério -, Nicolas resolveu custear uma viagem de Chopin a Viena, onde ele chegou, com um grupo de amigos, em 31 de julho de 1829. Descobriu partituras novas de Méhul, Boïeldieu, Meyerbeer e Rossini, obteve do editor de Haslinger a promessa de publicar as Variações sobre o tema do La ci darem la mano, e foi convidado pelo conde Gallenberg, intendente dos teatros imperiais, a dar um concerto no Teatro Kärntnerthor, em 11 de agosto.

Nem tudo, porém, saiu como Chopin esperava. A timidez fez com que se sentisse inibido diante do público vienense e do 'maravilhoso piano Graff, melhor de todos os que eu já tinha tocado'; os ensaios rápidos demais não tinham dado tempo à orquestra de aprender o acompanhamento do Rondo à Cracóvia, e foi necessário substituí-lo, na última hora, por improvisações sobre um tema de A dama branca, de Boïeldieu. 'Mas as variações provocaram tamanho entusiasmo que fui chamado de volta várias vezes, sob uma tempestade de aplausos', escreveu para os pais.

Dezenove anos, admirado, festejado - o dramaturgo Stanislau Niemcewitz chegou a fazer dele a personagem de uma comédia satírica em que se vê a alta sociedade de Varsóvia fascinada por um jovem pianista - e, agora, também, apaixonado. Foi numa carta a seu amigo Tito Woyciechowski que ele teve a coragem de confessar os sentimentos que nutria por Constança Gladkowska, filha do administrador do palácio real: 'Há seis meses sonho com ela todas as noites e ainda não lhe dirigi a palavra. Foi pensando nela que compus o adagio de meu concerto (o em fá menor) e também a valsa escrita essa manhã (a n.º 3 Op. 70). Quantas vezes confio ao piano o que gostaria de poder desabafar com outro coração!'.

Constança estudava canto no conservatório, onde ele poderia ter-se declarado a ela. Muitas vezes, Carlos Soliva, professor da moça, pedia-lhe que a acompanhasse ao piano. E quando Chopin a elogiou pelo desempenho no papel-título da Agnese, de Ferdinando Paër, a garota o presenteou com uma fita que ele guardou a vida inteira, junto com as cartas que recebera do amigo Tito. Entretanto, a timidez parecia impedi-lo de falar-lhe de seus sentimentos; ou, talvez, sentindo que estava próximo o momento da partida, não quisesse criar um vínculo que o prenderia à Polónia.

Seus biógrafos se perguntam, inclusive, se esses sentimentos, intensos mas deliberadamente mantidos num nível platônico, não passariam do pretexto para efusões líricas, da fonte de inspiração para páginas como o adagio do Concerto. E talvez tenham razão, pois foi uma outra amiga, Delfina Potocka, que acabou sendo dedicada essa peça, estreada pelo próprio Chopin num concerto, em Varsóvia, em 17 de março de 1830.

Publicado tardiamente, o Concerto para piano n.º 2 em fá menor Op. 21 foi, na realidade, composto antes do n.º 1 em mi menor Op. 11, e tem um tom bastante mais dramático. O segundo movimento, um larghetto em lá bemol maior, que ele dizia ter sido inspirado pelos sentimentos que Constança despertava nele, é certamente o mais interessante dos três: uma longa cantilena de gosto italianado, com todo o intimismo da confidência amorosa, feita de delicadíssimos arabescos sonoros. Liszt admirava tanto esse larghetto que o decalcou, deliberadamente, no movimento lento e seu Concerto para piano em mi bemol maior.

Dessa época também, e concebido sob o mesmo influxo sentimental, é o encantador Noturno em dó sustenido menor, sua primeira experiência com essa forma, que só seria publicado em 1875, após sua morte, como Op. Póstumo. Chopin não foi o criador do noturno, gênero pianístico de caráter meditativo e melancólico: seu iniciador foi o irlandês João Field, cujas peças desse gênero, compostas entre 1812-1835, tornaram-se muito populares. Contudo, foi o polonês que conferiu a essa forma livre, típica do Romantismo, uma tal riqueza de invenção melódica e harmônica que, hoje, é o seu nome que nos vem espontaneamente à lembrança, à simples menção da palavra 'noturno'.

Ao concerto do dia 17 seguiu-se outro, em 11 de outubro, no qual executou o Concerto para piano n.º 1 em mi menor - música desigual, que traz todas as marcas da inexperiência, mas também todas as promessas do génio. Curiosamente, Constança participou desse concerto e escolheu cantar O quante lacrime per te versai..., a cavatina de A dona do lago, de Rossini, que soou quase que uma confissão amorosa indirecta.

No banquete de despedida, os amigos lhe deram de presente um copo de prata cheio de terra da Polônia - que ele pediria, anos mais tarde, para ser colocada dentro do seu caixão. E na saída de Varsóvia, Elsner ali estava com um coral, interpretando uma cantata composta em sua homenagem. A 2 de novembro de 1830, Chopin foi embora de Varsóvia para sempre. Não foi fácil para Chopin deixar seu país: 'Tenho a impressão de que estou partindo para morrer', escreveria em carta para seus pais.

Nicolas Chopin, era o primeiro a lhe pedir que não voltasse. Segundo vários historiadores, ele e Elsner pertenciam à franco-maçonaria, que organizara a insurreição polonesa contra o ocupante russo. Em lugar do grão-duque Constantino, que conseguira fugir do Palácio do Belvedere, os revoltosos tinham matado um general russo, e as tropas do czar, em represália, sufocavam o desejo polonês de independência no habitual banho de sangue. Quanto Tito, que estava com ele em Viena, voltou a Varsóvia para lutar ao lado dos insurretos; Chopin pensou em acompanhá-lo, mas os dois se desencontraram e ele não pode mais cruzar a fronteira, já fechada.

As notícias tristes vindas da pátria somavam-se às dificuldades com que esbarrava na Áustria. Alguns velhos amigos tinham morrido, outros já não estavam mais na cidade, o conde Gallenberg, totalmente falido, fora demitido da intendência dos teatros imperiais, e o editor Haslinger, que prometera publicar sua música, roía a corda: 'Hoje em dia só se vendem as valsas de Johann Strauss e os ländler de Joseph Lanner'. Não havia mais sentido em ficar em Viena onde, além disso, os poloneses eram hostilizados por terem insurgido contra os russos, aliados do Império Austríaco.

O próprio Chopin dizia que os surpreendentes e sombrios acordes com que se inicia o Scherzo em si menor Op. 20 lhe foram inspirados, numa noite, na catedral de Santo Estevão, pelos sentimentos melancólicos que o invadiam: 'Minha cabeça estava cheia de harmonias fúnebres e mais do que nunca eu sentia a minha solidão'. Dilacerado pelo remorso em ter deixado Varsóvia, o sentimento de culpa por não estar participando da luta ao lado de seus amigos e a sensação de estar perdendo tempo em Viena, veio-lhe de repente a certeza de que era Paris que deveria tentar a sorte. O dia 20 de julho de 1831, em que saiu da Áustria, foi entristecido pela notícia de que, tendo falhado a intervenção prometida pelo rei Luís Felipe, da França, a rebelião polonesa estava uma vez mais à beira de fracassar.

Tristeza que se intensificou quando chegou a Sttutgart: junto com o dinheiro que Nicolas lhe mandava para seguir viagem, vinha a confirmação de que, em 18 de setembro, Varsóvia capitulara. São desses dias as páginas negras que ficaram conhecidas como o 'diário de Stuttgart', nas quais, com a intensidade típica do espírito romântico, Chopin destila a sua desesperança: 'Esta cama, na qual vou me deitar, talvez tenha servido a muitos de leito de morte e, no entanto, não a acho repelente'. A seus ouvidos, os sinos de Stuttgart soavam como dobres de finados, sinal certo de que seus amigos mais queridos estavam mortos ao pé da muralha, de que Constança talvez tivesse sido entregue à soldadesca. Num tom próximo ao do delírio, dirige-se a seu amigo mais querido: 'Ah, Tito, a cidade ardendo, e eu sem poder sequer matar um moscovita!'.

A revolta, o sentimento patriótico, a mistura de patético e violência explodem em uma de suas obras mais célebres, inspirada pela notícia da queda de Varsóvia: o Estudo n.º 12 em dó maior - Revolucionário. Junto com as polonesas e as mazurcas, esta página enérgica, de escrita extremamente brilhante, é uma das que melhor ilustram os sentimentos que ligavam Chopin à sua pátria, da qual nunca se desligou espiritualmente, mesmo tendo vivido grande parte da sua vida longe dela.

'É o mais belo dos mundos', exclamou Chopin, extasiado com a cidade que descortinava da janela do apartamento que alugara. Depois dos dias negros em Stuttgart, 'Paris corresponde a todos os meus desejos', escreveu Chopin a seu amigo Tito. 'É uma cidade aonde todo mundo pode se divertir, se entediar, rir, chorar, fazer o que quiser. Ninguém olha para você, pois há milhares de pessoas fazendo a mesma coisa, cada um à sua maneira'.

Paris respirava um ar novo: a França acabava de sair da Revolução de 1830, com que derrubara a tirania de Carlos X, colocando em seu lugar o monarca constitucional Luís Felipe (que, por sua vez, também seria derrubado por outro levante, daí a 18 anos). Para quem fugia de uma rebelião reprimida a ferro e fogo, era surpreendente o clima de liberdade de um lugar onde todas as tendências e ideologias tinham conquistado o direito de conviver relativamente bem.

Refúgio de todos os asilados, Paris era o lugar ideal para um polonês desenraizado sentir-se em casa, pois em toda parte Chopin encontrava compatriotas exilados. E até mesmo o espetáculo de maior sucesso, no Circo Olímpico dos irmãos Franconi, famoso por seus cavalos amestrados, tratava dos acontecimentos na Polônia, e da heróica resistência de seus compatriotas contra os russos, fantasiosamente reconstituídos por Viellerglé (pseudônimo de Augusto Lepoitevin d'Egreville Saint-Alme).

Ao contrário do repressivo Leste Europeu, Paris surgia a seus olhos como a pátria da liberdade artística, dos experimentalismos, da batalha recente em torno de Hernani, o drama de Victor Hugo que anunciava toda uma revolução na estrutura do teatro romântico. 'Encontrei nesta cidade os melhores músicos e a melhor ópera do mundo', contou a Elsner. 'Somente aqui pode-se saber o que é canto. Jamais ouvi uma execução tão bela do Barbeiro de Sevilha (de Rossini), quanto a do Teatro Italiano, com Lablache, Rubini e Malibran Garcia'. O bel-canto italiano será, de resto, uma inspiração constante para Chopin - e em nenhuma obra mais do que nos noturnos se sentem isso. O Noturno n.º 1 Op. 48, um dos mais pessoais, já foi descrito como um 'diário íntimo' de Chopin.

Em Viena, Chopin tinha conhecido o Dr. Malfatti, médico do imperador, amigo de Beethoven, e este lhe dera uma carta de recomendação para Paër, ex-diretor de música da corte, então com 69 anos. Paër simpatizou com o jovem polonês e apresentou-o a Rossini, diretor do Teatro Italiano, a Luigi Cherubini, diretor do Conservatório e, principalmente, ao pianista Frederico Kalkbrenner: para Chopin, foi uma grande emoção conhecer pessoalmente um dos seus ídolos do teclado, 'de toque calmo e mágico', que considerava superior a Hummel ou Czerny.

Kalkbrenner propôs dar-lhe aulas: 'Disse-me que há de me transformar em algo de muito especial'. De Varsóvia, vinham advertências: 'Cuidado para não se transformar num papel carbono de seu mestre'. Nem Nicolas nem Elsner gostavam das revisões que o alemão fizera na orquestração - de fato precária - do Concerto para piano n.º 1, e temiam que Chopin perdesse a originalidade de expressão, o ritmo característico de sua terra natal. Elsner, principalmente, lhe dizia, em cada carta, que não deveria se transformar num mero autor de peças para piano, pois era na ópera que estava o futuro para todo compositor: 'O seu lugar é ao lado de Rossini e Mozart'. Chopin, no entanto, já sabia muito bem, a essa altura, não ser talhado para o palco ou para as obras sinfônicas de grande porte e, sim, para as composições de caráter intimista, de melhor rendimento quando executadas em casa ou nas pequenas salas de recital.

Os novos amigos que tinha feito, Liszt, o pianista Ferdinando Hiller, o violoncelista Augusto Franchomme também achavam que ele estava perdendo tempo estudando com Kalkbrenner. O próprio Mendelssohn, quando esteve em Paris, não hesitou em lhe dizer: 'O senhor não está aprendendo nada, pois toca melhor do que ele'. As aulas, com isso, duraram apenas um mês. Mas, em sinal de gratidão, Chopin dedicou o Concerto para piano n.º 1 ao pianista que se tornara seu amigo e o apresentara a Camilo Pleyel, o fabricante de pianos e dono de uma das mais prestigiosas salas de concerto da capital francesa.

Foi na Sala Pleyel, da 9 Rue Cadet, que Chopin deu seu primeiro concerto parisiense, em 26 de fevereiro de 1823. O público não era muito numeroso - na maioria poloneses exilados -, mas os aplausos foram muito grandes, em especial para as Variações sobre o tema do La ci darem la mano. Num artigo publicado no número de março da Revista Musical, o crítico Francisco José Fétis saudou a profusão de idéias originais que havia em sua música e profetizou: 'Existe, na inspiração do senhor Chopin, uma renovação da forma que está destinada a exercer profunda influência sobre o futuro das obras escritas para seu instrumento'. Mal sabia ele o quanto estava certo.

A receita do concerto mal deu para pagar as despesas; mas atraiu a atenção de nomes importantes da vida musical parisiense - o compositor Berlioz, o tenor Adolfo Nourrit, que estava no auge da fama e se tornou um amigo querido de Chopin - e, finalmente, convenceu Haslinger, o editor vienense, a publicar as Variações.

A vida, em Paris, nesses primeiros momentos, porém, não era mais fácil do que em Viena. E entristecia-o a notícia, vinda de casa, de que Constança renunciaria à promissora carreira de cantora, para casar-se com um rico proprietário de terras (ela ficaria cega, aos trinta e cinco anos, após o parto do quinto filho, e morreria em 1889, depois de ter destruído todas as lembranças que tinha de Chopin). Fréderic ainda conseguiu ser contratado para tocar em casa da princesa De la Moscova, viúva do marechal Ney; mas foi um concerto de sucesso apenas relativo, devido à precariedade do piano de que dispunha. Além disso, a epidemia de cólera que grassava em Paris afugentara para suas casas de campo, todas as famílias ricas, o que deixara em situação difícil os artistas, ainda dependentes da nobreza para ganhar seu sustento.

Chopin já tinha decidido a emigrar de novo, desta vez para a América, onde lhe diziam haver toda uma série de oportunidades novas para um músico empreendedor, quando um caso o fez finalmente fixar em Paris, como um artista de sucesso. Encontrou-se, na rua, com um velho amigo de Varsóvia, Valentino Radziwill, que o convidou a acompanhá-lo a uma recepção no palácio do rico banqueiro, o barão de Rothschild. 'Eis me lançado', escreveu ele para casa logo depois desse dia. 'Faço parte, agora, da mais alta sociedade, tenho o meu lugar entre embaixadores, princesas, ministros. E nem mesmo sei como cheguei lá'.

Ali chegara pelas mãos da baronesa Nathaniel de Rothschild que, encantada com aquele jovem polonês de aspecto frágil, pedira-lhe que se tornasse seu professor de piano. O exemplo da riquíssima Sra. Rothschild não poderia deixar de ser seguido pelas demais damas da sociedade, sempre prontas a entregarem-se ao último modismo. De uma hora para outra, Chopin viu-se transformado no mais requisitado professor de piano de Paris. Com quatro horas de trabalho por dia, em média, ganhava 20 francos-ouro (a título de comparação, Kalkbrenner, no auge da carreira, tinha renda mensal de 25 francos-ouro). 'Se eu fosse mais tolo do que sou, acreditaria ter chagado ao topo de minha carreira', escreveu ao pai. Em poucas semanas, tornou-se um dos homens mais requisitados da capital francesa, convidado para todos os saraus. As mulheres de Paris suspiravam diante daquele jovem de 1,70 m com olhos azuis-cinzentos.

Entre 1833-1837, Chopin viveu sua lua-de-mel com a nobreza. Mudou-se para um amplo apartamento no n.º 5 da Chaussée d'Antin - demolido quando a reurbanização de Paris levou-o à abertura do Boulevard Hausmann -, todo decorado com móveis do século XVIII, a que seus amigos deram o apelido de 'Olimpo'. Comprou um cabriolé, contratou um cocheiro e criados. Vaidoso, consciente de sua beleza e elegância, vestia-se no alfaiate da moda, Dautremont, na Rue Vivianne - que lhe fazia belas sobrecasacas cinza pálido -; só comprava sapatos na loja de Rapp e chapéus na Feydeau, os mais afamados da época. Usava roupas brancas de linho importado, um lenço de seda de três voltas à guisa da gravata, botas de reluzente verniz e uma capa preta forrada de cetim cinza.

Eram privilégios caros: 'Hoje tenho de dar cinco aulas', escreveu a Domenico, seu amigo de Szafarnia. 'Não vá imaginar que eu esteja ficando rico. Carro particular e luvas brancas, se

m os quais não existe homem elegante nesta cidade, são gastos acima de minhas posses'. Havia ainda flores, as caixas de bombons, os enfeites que mandava a suas anfitriãs, para agradecer por ter sido convidado; os presentes caríssimos que mandava à mãe e às irmãs; e as despesas que fazia nos locais elegantes, o Café de Paris, o Riche, o Angalis, onde estava sempre cercado de aproveitadores.

Nicolas estava encantado com o sucesso do filho, é claro; mas seu bom-senso camponês o levava a pedir-lhe que fosse cauteloso: 'Guarde sempre algum dinheiro, meu filho. (...) Deus o livre de alguma doença que o force a parar de dar aulas; em terras estrangeiras, você estaria condenado à miséria. Esse pensamento me atormenta com freqüência, pois sinto que você está vivendo apenas o presente'. E não poupava conselhos práticos: 'Aplique seu dinheiro em bens de que possa dispor rapidamente quando precisar. Fale com os banqueiros Luiz e Adolfo d'Eichtal, 14 Rue Le Peletier. Faça depósitos no estabelecimento deles'.

O trabalho que Chopin encontrara, porém, era o ideal para um homem tímido e inseguro que temia a carreira de virtuose - tanto que, nos 18 anos que viveu em Paris, ele deu apenas 19 concertos; e só em quatro deles foi o único solista. 'Você não acreditaria por que martírios passo nos três dias que precedem um concerto', escreveu, em 1830, ao amigo Tito. Para o amigo Liszt, escreveria em certa ocasião, comentado a sua própria insegurança e timidez: 'Não sou talhado para dar concertos. O público me intimida, sinto-me asfixiado por seu hálito, paralisado pelos olhares curiosos que me lança, mudo diante desses rostos estranhos. Você não tem condições de entender isso, pois nasceu para o palco, domina a platéia, sempre tem como esmagá-la'.

A essa introspecção, a esse modo de abrir-se deve-se, provavelmente, um estilo de execução muitas vezes censurado por críticos que achava fraca a sonoridade que ele extraía do piano. Entretanto, músicos clarividentes como Berlioz sabiam reconhecer o que havia de iluminador nessa maneira de tocar: 'Existem detalhes incríveis em suas mazurcas e, além disso, Chopin torna-se ainda mais interessante executando-as com extrema doçura, com pianíssimos delicados, os martelos tocando de leve as cordas, de tal maneira que somos tentados a nos aproximar do instrumento para prestar atenção, como faríamos ao ouvir um concerto de silfos ou de duendes', escreveu Berlioz em suas Memórias. Era todo um estilo novo de execução que estava nascendo, sem nada em comum com a retórica extrovertida a que o público estava acostumado.

O contato constante com a alta sociedade, porém, não o impedia de trabalhar, e os editores, agora, disputavam o direito de publicá-lo: Schlesinger na França, Wessel na Inglaterra, Breitkopf & Hartel na Alemanha. Um após o outro, saíram o Trio em sol menor Op. 8, os Noturnos Op. 9 e Op. 15, os Estudos Op. 10, que ele dedicou a Liszt, o Concerto para piano n.º 1, as Variações sobre Je vends des scapulaires Op. 12, ária de sucesso de uma ópera de Hérold, a Grande fantasia sobre árias polonesas Op. 13, o Rondo Op. 14 - À Cracóvia para piano e orquestra, o Rondo em mi bemol maior Op. 16, as Mazurcas Op. 17, a Grande valsa em si bemol maior Op. 18, o Bolero em dó maior Op. 19, o Scherzo n.º 1 Op. 20. Algumas dessas peças eram anteriores à sua chegada a Paris, mas, para publicá-las, Chopin as revisara cuidadosamente dando-lhes, não raro, feição inteiramente nova.

Entre elas, faziam muito sucesso as valsas, 'música para a alma mais do que para o corpo', como dizia Schumann, pois se trata de efusões líricas e não de peças para serem danças, como as valsas vienenses dos Strauss pai e filho. A vida inteira, dos primeiros anos em Varsóvia aos que precederam a sua morte, Chopin cultivou essa forma, deixando dela exemplos fantásticos.

A Grande valsa em lá bemol maior Op. 42 é de 1840 e, com seus temas turbilhonantes, deveria 'ser executada à maneira de uma caixinha de música', como o próprio autor disse a seu aluno Guilherme de Lenz. E do Op. 64 há duas valsas: a breve e ligeira n.º 1 em ré bemol maior, dedicada à sua amiga Delfina Potocka, chamada a 'valsa do cachorrinho' (pois dizem que Chopin se inspirou vendo um cão correr atrás da própria cauda); e a n.º 2 em dó sustenido menor, dedicada à sua protetora, a baronesa de Rothschild. Esta última é um modelo do estilo rubato chopiniano, com suas sucessivas modificações de andamento, que lhe dão extraordinária mobilidade. Música assim punha a seus pés o público parisiense. O aplauso, porém, não era unânime. João Field, descontente por vê-lo incursionar de forma tão feliz no terreno dos noturnos que ele criara, dizia que Chopin tinha um talento de quarto de doente. Mendelssohn admirava-o como pianista, mas dizia que suas mazurcas eram afetadas a ponto de serem insuportáveis. E o pianista Ignaz Moscheles, outro que se sentia ameaçado pelo talento novo, de sentimentalismo excessivo, indigno de um músico culto.

Todas essas invectivas, no fundo, não passavam de uma pontinha de despeito pela notoriedade do 'primeiro pianista de Paris', que podia dar-se ao luxo de cobrar 20 francos por aula, e para quem 'todas as mulheres olham, e que deixa os homens enciumados' - como dizia um amigo polonês, o médico Jas Matuszinski que, em 1834, tinha sido convidado a dividir com ele o apartamento da Chaussée d'Antin. 'Ele está na moda', escrevia o amigo. 'Não vai demorar para que estejamos todos usando luvas à Chopin. Somente a saudade da Polônia o consome'.

Saudade que o decidiu, em agosto de 1835, a correr para Carlsbad, em vez de Enghien, a estação de águas que freqüentava, ao saber que seus pais estariam fazendo um tratamento de saúde naquela cidade. Foi a última vez que os viu. 'Alegria indescritível', escreveu a Luisa sobre as três semanas que passaram juntos. 'Bebemos, comemos, brincamos, brigamos. Estou no auge da felicidade.' Uma felicidade que transparece em obras luminosas como a Fantasia-improviso em dó sustenido menor Op. 66, que só foi publicada após a sua morte e estreada em 1855, por uma de suas alunas favoritas, Marcelina Czartoryska. Uma peça ternária, allegro agitato - largo - moderato cantabile - de grande delicadeza, destinada a se tornar uma das peças prediletas dos intérpretes e do público.

Na volta, Chopin passou por Dresden, onde se encontrou com a família da condessa Wodzinski, cuja filha, Maria, tinha sido sua colega no Conservatório - e que protagonizou o episódio mais frustrante na vida sentimental de Chopin. Maria tinha 16 anos, uma bonita voz de contralto, pintava e era muito culta. Juntos, Chopin e ela passearam pela cidade, visitando o museu, o Palácio Brühl e contemplando o crepúsculo sentados em um banco às margens do Elba. Um tio ranzinza da moça foi o primeiro a alertar a condessa para a inconveniência de relações demasiado íntimas entre a herdeira de 50 mil acres na Polônia e um 'pianistazinho que nem é mais totalmente polonês'.

Não se sabe o que a condessa teria dito a Chopin, a quem chamava de 'meu quarto filho'. Ao deixar Dresden, ele ofereceu a Maria a Valsa n.º 1 Op. 69, conhecida como a Valsa do adeus e duas folhas, uma com o início do Noturno n.º 2 em mi bemol maior Op. 9, um de seus mais famosos, e outra onde escrevera a frase: 'Seja feliz'. De Maria, sobraram apenas as cartas que trocaram e uma rosa ressecada que ela lhe deu, e que Chopin guardou dentro de um envelope encontrado entre seus papéis após a sua morte. Do lado de fora, ele escreveu, em polonês: 'Moja Bieda' (Meu sofrimento). Sofrimento que se intensificou quando soube, ao chegar em Paris, no dia 15 de outubro, da morte prematura do compositor italiano Vicenzo Bellini, que conhecera no inverno do ano anterior e a quem se afeiçoara muito - decerto porque o 'cisne da Catânia' e ele tinham uma sensibilidade artística muito próxima.

Frustração por ter de se separar de Maria, tristeza com a morte de Bellini, pressentimentos sinistros quanto à sua própria saúde - são dessa época os primeiros sinais de tuberculose, pois ele começa a escarrar sangue -, tudo isso fez Chopin cair em depressão: não escrevia mais aos pais, recusou o convite de Mendelssohn e Schumann para ir tocar no festival de Düsseldorf, o Correio de Varsóvia chegou a noticiar sua morte, e Nicolas escreveu a Matuszynski uma carta cheia de preocupação, pedindo-lhe que cuidasse bem do filho.

Apesar da hostilidade dos Wodzinski, Chopin não resistiu à tentação de rever Maria, e foi encontrar-se com a família em Marienbad, nas férias de julho. Ali, ousou finalmente pedir Maria em casamento, e ela aceitou. A condessa, é claro, se enfureceu, mas não se opôs, desde que o noivado permanecesse em segredo até o verão seguinte - prazo pedido na esperança de que, até lá, já tivessem arrefecido sentimentos que, em sua opinião, não passavam de fogo de palha. Restava a Chopin corresponder-se com a noiva - que, respeitando os costumes, nunca podia lhe escrever sobre coisas muito pessoais - e com a futura sogra, que não se privava de lhe pedir favores: que ele cuidasse de seu filho Antonio, convalescendo em Paris de um ferimento que sofrera no cerco de Huesca, como membro do regimento de lanceiros poloneses que tinham apoiado os Bourbon na Espanha; que ele emprestasse dinheiro ao moço e cuidasse de sua correspondência; que comprasse para ela, por favor, um piano da casa Pleyel e o mandasse para a sua propriedade de Sluzewo...sem falar em pagamento, é claro. Maria, enquanto isso, ia ficando cada vez mais distante e indiferente - até Chopin se dar conta que a condessa Wodzinski concordara com o noivado apenas para ganhar tempo e convencer a filha a desistir do projeto.

Por ironia, foi com o conde José Skarbek, filho da madrinha de Chopin, que Maria se casou, mas logo pedira a anulação do casamento alegando a impotência do marido. Casou-se de novo e logo ficou viúva: o segundo esposo e o filho que tivera dessa união morreram de tuberculose. 'Seu destino não deixa de ter semelhança com o de Constanze', comenta Camilo Bourniquel, biógrafo de Chopin, 'pois ela permaneceu a vida inteira fiel à memória do homem que não soubera ou não tivera coragem de amar'.

Em reação ao noivado desfeito, Chopin caiu numa vida dissipada, de diversões e excessos, perigosa para quem, desde 1837, vinha escarrando sangue. O amigo polonês Stanislau Kosmian esteve com ele em Londres, onde o encontrou com Camilo Pleyel, famoso pelos seus pianos e pelas aventuras de sua mulher. Não era saudável a vida que lavava ali: 'Instalaram-se num dos melhores hotéis, alugaram uma carruagem e procuram, visivelmente, gastar o máximo de dinheiro que podem'. Mas esse interlúdio terminaria, logo em seguida, quando Chopin conheceu a mulher que mais marcante influência exerceu sobre sua vida.

Foi Liszt quem a trouxe ao novo apartamento, no n.º 38 da mesma Chaussée d'Antin, para onde Chopin tinha se mudado. Ela se chamava Amandina Aurora Lúcia Dupin, era oito anos mais velha do que ele e tinha sido casada com um oficial do Exército aposentado, o barão Dudevant, de quem tinha dois filhos. A falta de horizontes da vida familiar a fizera revoltar-se, abandonar o marido em 1831 e ir tentar a carreira literária em Paris. Escolhera, ao publicar Indiana, seu primeiro romance, o pseudônimo masculino de Georg Sand. No primeiro contato, Chopin não gostou de dela - de quem o poeta Alfredo Vigny dissera venenosamente: 'Como mulher, é um belo rapaz.' Chocava-o a vida livre que ela levava. A escritora tinha sido amante do poeta Alfredo Musset, mas, em 1834, durante uma viagem a Veneza, quando ele caiu doente, trocara-o pelo atraente médico italiano que viera atendê-lo no hotel. Agora, diziam que era amante de Mário Dorval, estrela da Comédia Francesa.

A Mme. Sand, ao contrário, atraía muito 'o pobre anjo triste'. Escrevia a seus amigos que sentia necessidade de sofrer por alguém e nada melhor do que aquele ser sofredor e cansado. Fez-lhe o cerco de todas as maneiras e, finalmente, numa longa carta que fez chegar às suas mãos por intermédio do conde Alberto Grzymala, amigo comum, deu-lhe um ultimato: ou a realidade do amor por ela ou a ilusão das frustrantes lembranças de Maria. Diante disso, em novembro de 1838, Chopin concordou em ir para Palma de Mallorca, nas ilhas Baleares, com Georg e seus dois filhos, Maurício e Solange. Ela o tinha convencido de que o clima do litoral faria muito bem à sua saúde. 'Encontro-me em Palma de Mallorca sob as palmeiras, cedros, aloés, laranjeiras, limoeiros, figueiras e pés de romã', escreveu Chopin a seu amigo Fontana, de início encantado com a vila que Sand alugara. 'O céu é turquesa, o mar, lápis lázuli e as montanhas, cor de esmeralda. O ar é igualzinho ao céu. Todos se vestem como no verão e, à noite, ouve-se por toda parte canto e som de violões. Aproveito bem a vida, meu caro amigo, estou mais perto do que há de mais belo no mundo, sinto-me um homem melhor'.

Estava cheio de projetos, entre eles a série dos Prelúdios que, em suas mãos, deixaram de ser a introdução de uma obra maior, para se transformarem em peças de forma livre, relativamente curtas, música pura sem qualquer intenção programática, organizada segundo os 24 tons da escala temperada - tributo certo a O cravo bem temperado de J.S.Bach, que Chopin aprendera a amar desde os tempos das aulas de Zywny. Vários deles já tinham sido esboçados antes da saída de Paris; a maioria, porém, reflete os estados de espírito cambiantes experimentados por ele durante a estada em Baleares.

No Prelúdio n.º 3 em sol maior, Chopin pedia que o turbilhão de notas - comparado pelo grande pianista Alfredo Cortot ao canto de um regato - fosse tocado com toda a leveza. O melancólico Prelúdio n.º 4 em mi menor, foi tocado ao órgão, na igreja da Madeleine, nos dias dos funerais do compositor. Seus acordes se dissolvem numa lenta descida cromática. O Prelúdio n.º 7 em lá maior, brevíssimo, de apenas 16 compassos, é uma das páginas mais conhecidas de Chopin, uma idéia encantadora, de intensa ternura, expressa de forma direta e simples, num ritmo de mazurca, sem desenvolvimento algum.

Georg e Chopin tinham planejado ficar uma longa temporada em Mallorca e, para isso, além dos 500 francos que Pleyel lhe adiantara pelos Prelúdios, Chopin arranjara mais 2.000 francos emprestados. Georg Sand tinha igual quantia. Mas os dois perdulários torraram tudo em poucas semanas e, em breve, já não tinham mais com que pagar ao senhor Gomes o aluguel pela casa que tinham alugado. As chuvas torrenciais tornavam úmida a casa, sem lareira e cheia de goteiras, agravando a tosse de Chopin. E os rumores de que havia um 'tuberculoso' na casa de Gomes - naquela época o povo tinha tanto medo da tuberculose quanto da peste - os isolaram ainda mais, apressando a decisão do proprietário de despejá-los.

Foram então acolhidos pelo cônsul da França, que lhes aconselhou hospedarem na cartuxa de Valdemosa, um mosteiro em lugar de difícil acesso: 'Minha cela parece uma sepultura', escreveu Chopin a um amigo. 'É tudo tão silencioso que podemos uivar de solidão'. E eles gastavam somas exorbitantes cada vez que era necessário chamar um médico para atender o músico: os profissionais da ilha não hesitavam em enfiar a faca nos elegantes turistas parisienses. O clima da cartuxa, principalmente, deprimia Chopin: 'Ele não conseguia vencer a inquietude de sua imaginação', escreveu Georg Sand em A história de minha vida. 'O claustro enchia-o de terrores e fantasmas, mesmo quando estava passando bem. Ao voltar de meus passeios noturnos pela cartuxa, eu o encontrava pálido, diante do piano, de olhos alucinados, os cabelos arrepiados. Precisava de alguns instantes para me conhecer'.

Entre eles, também, as coisas não iam nada bem. Em seu romance Lucrezia Floriani, em que conta de forma estilizada o relacionamento com Chopin, e nas cartas que mandou de Mallorca para os amigos, a desabrida Georg Sand não escondia que o músico era um homem frágil, extenuado pela doença e que isso se refletia negativamente em seus contatos físicos: 'Permaneci uma virgem imaculada durante todo o tempo que passamos juntos nesta ilha'. Além disso, a população os encarava como se fossem pagãos ou maometanos. Todos viravam a cara àquela mulher de calças compridas, que fumava charutos, e se eles precisavam de verduras ou legumes, tinham de pagar preços inacreditáveis por eles.

Em 12 de fevereiro, convenceram-se: sua lua-de-mel tinha sido um fiasco. Estava na hora de voltar à França. Mas não havia um só carro em Palma para levá-los até o porto. No caminho, Chopin teve uma hemoptise, que se repetiu durante a viagem no precário barco espanhol El Mallorquín, carregado de porcos que grunhiam sem cessar, reagindo ao balanço daquela casca de noz. Só quando mudaram, em Barcelona, para o navio francês Le Méléagre, o médico de bordo conseguiu deter a hemoptise. Dias depois, estavam instalados no Hotel de Beauvau, em Marselha, onde 'podendo finalmente dormir numa cama decente e estender a mão para as pessoas sem que elas recuassem horrorizadas', Chopin sentiu-se ressuscitar.

Enquanto Georg acabava de escrever Gabriel, o romance que iniciara em Mallorca, Chopin lançava-se à luta com Schlesinger e Probst, dois de seus editores, que queriam passá-lo para trás na assinatura do contrato para publicação das obras escritas da ilha: a Balada em fá maior, 2 polonesas, o Scherzo n.º 3, a Sonata em si bemol, 2 noturnos. Um fato, entretanto, o abalou muito: a morte do amigo Adolfo Nourrit, em Nápoles. O mais famoso tenor de sua época, criador dos papéis de Raul em Notas de Hugo de Meyerbeer, ou de Arnaldo, em Guilherme Tell de Rossini, Nourrit se vira de repente desbancado por um rival, Gilberto Duprez, que estudara na Itália, onde aprendera uma técnica nova, a do arrojado dó de peito, que enlouquecia as multidões. Desejoso de igualar-se a Duprez, o inseguro Nourrit fora a Nápoles, tentando fazer o mesmo aprendizado, mas caíra em depressão e, em março de 1839, suicidara-se atirando-se do terraço do hotel onde estava hospedado.

Seu corpo foi levado para Marselha e, durante a cerimônia fúnebre em Notre-Dame, Chopin fez questão de tocar ao órgão uma melodia de Schubert, pois Nourrit fora uma intérprete excepcional das canções desse compositor. 'O público, que acorrera em massa, levado pela curiosidade, e chegara a pagar 50 centavos por lugar (preço inacreditável para Marselha!), ficou desapontado', contou Georg Sand. 'Eles esperavam que Chopin fizessem um grande estardalhaço ao tocar e quebrasse pelo menos um ou dois registros do órgão'.

Ao clima tristonho dessa fase está talvez ligada uma obra como o Noturno n.º 1 em dó menor Op. 48, uma das peças mais longas e dramáticas desse gênero, que já foi descrito como um verdadeiro 'diário íntimo' do compositor: 'Nela os analistas acreditaram identificar a expressão de uma dor infinita que se expande ao longo de seus diversos episódios', escreve Adelaide de Place. A agitação interior que há nessa música impede que o raio de esperança da seção intermediária traga algum alívio ao tom geral de tristeza, e a peça se encerra como um prolongado lamento.

Daí até a ruptura em 1847, os momentos mais tranqüilos que os dois amantes viveram foram em Nohant, a propriedade campestre de Georg Sand, mantida até hoje como museu da convivência difícil entre aqueles dois seres dessemelhantes. Frustrada a esperança da grande paixão erótica, Georg pareceu compreender que lhe estava reservado, ao lado desse homem genial e de sensibilidade à flor da pele, o papel de protetora, de enfermeira quase. Segundo a escritora, 'sua mãe foi a única mulher que ele amou de verdade'.

Seguiram-se meses tranqüilos. Quando estava em Paris, Chopin passava mais tempo em casa de Georg, no n.º 16 da Rue Pigalle, do que em seu novo apartamento, 5 Rue Tronchet, que decorara com todo cuidado, e onde passara os primeiros dias recluso, na companhia de uns poucos amigos selecionados, Grzymala, Matuszynski, Fontana. Foi uma fase em que publicou muito, valsas, polonesas, prelúdios, e tocou algumas vezes em público: em 31 de outubro de 1840, com Moscheles, no castelo de São Cláudio, diante da família real; em 26 de abril de 1841, na Sala de Pleyel, para a nata da sociedade parisiense; em 21 de fevereiro de 1842, no mesmo local, acompanhado por dois amigos, o violoncelista Franchomme e a cantora Paulina Viardot. O artigo A França Musical sobre esse último concerto registra que o sucesso maior, porém, foi obtido por Georg Sand, quando entrou na sala acompanhada por sua filha Solange: 'Outros teriam se sentido intimidados por todos aqueles olhares curiosos; Mme. Sand limitava-se a inclinar a cabeça e sorrir'.

Chopin sentia-se tão assimilado à nova família que já não escrevia mais com tanta freqüência para Varsóvia e rompera completamente as relações com os Wodzinski: recebeu com indiferença a notícia do casamento de Maria com José Skarbek e nem tentava mais receber de volta a fortuna que emprestara a Antonio. Havia, porém, sombras nesse quadro: Fontana, que não conseguira fazer carreira como pianista em Paris, tinha ido tentar a sorte na América - exatamente como Chopin pensara em fazer, anos antes - e sua falta era duramente sentida. A saúde de Matuszynski piorara e, em abril de 1842, ele morreu, vítima de uma série de hemoptises muito violentas. Dois meses antes, Chopin se entristecera muito com a notícia, vinda de Varsóvia, de que morrera também Zywny, seu primeiro professor de piano.

Para consolá-lo, Georg levou-o para Nohant, convidando também Eugênio Delacroix, de quem sabia que ele gostava muito. O pintor assim descrevera Chopin: 'O artista mais verdadeiro que já conheci, um daqueles poucos a quem a gente consegue admirar e estimar'. Delacroix, para quem Georg improvisara um estúdio no sótão de um celeiro, ao lado das dependências dos empregados, deixou em suas cartas precioso testemunho dos dias tranqüilos passados ali, onde 'ondas da música de Chopin entravam pela janela aberta para o jardim, misturando ao canto dos rouxinóis e ao perfume das rosas'. Chopin conseguia realmente se distrair, como no dia em que foram assistir a um baile de camponeses, no gramado do castelo, ao som dos famosos gaiteiros do lugar.

O inverno de 1843 foi, contudo, muito rigoroso e Chopin ficou doente várias vezes. Esta é, porém, uma fase em que, apesar do declínio de sua saúde, diminuem os sentimentos sombrios, a fascinação pela morte que sempre o tinham marcado. É a época de obras luminosas, cheias de vida, como a graciosa Berceuse Op. 57, ou a Barcarola em fá sustenido maior Op. 60, que ele dedicara à baronesa de Stockhausen. Inspirada no canto dos gandoleiros venezianos, esta barcarola é uma peça em ritmo de 12/8, mas de forma ternária como os noturnos, com uma envolvente melodia de estilo italianado e ousadas modulações que a tornam uma das peças mais inovadoras de Chopin no plano harmônico.

Quando chegou a notícia de que Nicolas morrera, em 3 de maio de 1844, Chopin ficou tão aniquilado que Georg julgou necessário escrever à Luisa, pedindo-lhe que viesse a Paris com o marido, para visitá-lo: 'Vocês encontrarão o meu querido menino muito triste e bastante mudado. Não se assustem demais, entretanto, com a sua saúde. Ela se mantém sem maiores alterações há seis anos e, apesar de sua compleição delicada, o problema no peito parece curado'. A alegria de rever a irmã, porém, fê-lo recuperar-se um pouco. Era real o prazer que sentia em levá-la e ao marido para conhecer Paris, e em ver que Luisa se dava às mil maravilhas com Georg que, à noite, lia para ela, em voz alta, passagens do Charco do diabo, no qual estava trabalhando.

O relacionamento dos dois amantes, entretanto, estava passando por um lento processo de erosão, de dentro para fora, e aproximava-se o momento em que a vida em comum já não seria mais possível. Chopin suportava mal a personalidade autoritária da companheira, e esta se irritava com suas suspeitas, seus ciúmes, a recusa dele em conviver com seus amigos, vendo em cada um deles um amante em potencial. Censurava-o também por não se interessar por suas idéias, pelas causas sociais que a mobilizavam, pela paixão, precursora do feminismo, com que batalhava pelos direitos de seu sexo; e, naqueles tempos de anti-clericalismo militante, considerava-o reacionário por permanecer - como todo bom polonês - fiel à sua fé católica. Além disso, entravam constantemente em choque por motivos familiares, pois Chopin desagradava que ela favorecesse sempre Maurice, em detrimento de Solange; e Georg, embora visse com bons olhos o carinho que ele demonstrava por seus filhos, não permitia que a interferência passasse de determinado limite.

Causa espanto, em fase tão atribulada, ele ter conseguido escrever música tão despreocupada quanto as Mazurcas Op. 63, dedicadas à condessa Laura Czosnowska. Elas têm o frescor das obras da juventude: a n.º 2 em fá menor opõe um tema lento e sonhador a outro cheio de impulso, num contagiante ritmo de dança; e a n.º 3 em dó sustenido menor lembra a atmosfera de um noturno ao jogar uma melodia terna e nostálgica contra outra, de ritmo mais marcado.

A gota d'água em seu relacionamento foi, em 1846, a publicação em capítulos, no Correio Francês, do romance Lucrezia Floriani, em que Georg Sand descrevia de forma estilizada as relações entre ambos. Chopin fingiu, a princípio, não se reconhecer na figura do príncipe Karol, com quem a protagonista vive um amor apaixonado que, aos poucos, se transforma na guerra surda a que se entregam os casais desunidos que continuam juntos por pura rotina. Entretanto, havia sempre amigos que o alertavam.

O romance, em todo caso - assim como as páginas de A história de minha vida que falam de Chopin -, é um documento precioso. Como Sand destruiu a correspondência entre os dois, é neles que encontramos, ainda que de um ponto de vista unilateral, as informações mais ricas sobre essa fase capital na vida do compositor. Irritado com a publicação do livro, e sem poder mais pretextar não ter entendido que era a convivência dos dois que Georg descrevera, Chopin saiu em novembro de 1846 de Nohant - para onde nunca mais voltaria - e voltou sozinho para Paris. Um tortuoso episódio familiar lhe daria, logo em seguida, a certeza de ter sido descartado da vida dos Dudevant.

Solange, que estava de casamento marcado, conheceu em Paris, onde fora comprar o enxoval, o escultor Clésinger, por quem se apaixonou; e pôs fim ao noivado por causa dele. Georg tentou de todas as formas impedir a união da filha com esse homem, que considerava grosseiro, mal-educado e de um nível inferior ao dela; mas pediu a Grzymala que não deixasse Chopin intervir. As cenas violentas que irromperam entre mãe e filha não detiveram Solange: casou-se com Clésinger, em 6 de maio e, logo


em seguida, levou o marido para apresentá-lo à Chopin, que se ofendeu por não ter sido consultado e nem sequer ter sido avisado do casamento. Ficou claro para ele que Georg o excluíra dos aspectos mais íntimos de sua vida. A carta de rompimento que lhe enviou, em agosto de 1847 é atroz, escreveu em seu Diário o pintor Delacroix, para quem Chopin a leu: 'nela se manifestam as paixões mais cruéis, todas as impaciências longamente reprimidas'.
Logo depois, em 16 de fevereiro de 1848, Chopin deu seu último concerto, na Sala de Pleyel. O sucesso habitual o encorajara a tocar uma vez mais para esse público que o acolhia com tanto entusiasmo. Mas Paris estava em ebulição: havia tempos o povo estava descontente com os altos níveis de corrupção do governo de Luís Felipe, com a crise econômica gerada pelas más colheitas e a precária situação do operariado que, no ano anterior, já provocara um movimento precursor, a revolta dos tecelões em Lion. Oito dias depois do concerto, começava a revolução de 1848, e o segundo recital teve de ser cancelado. Luís Felipe foi deposto e substituído por uma Assembléia Nacional Constituinte que, em dezembro, elegeu presidente da República o príncipe Luís Napoleão (é verdade que, em 1852, este daria um golpe de Estado coroando-se imperador com o título e Napoleão III; mas, por enquanto, o clima era de esperança e busca de maior liberdade).

Chopin, porém, preferiu escapar da agitação no continente, passando uns tempos em Londres, onde se encontrou com alguns amigos que tinham escolhido o mesmo caminho: Berlioz, Kalkbrenner, a cantora Paulina Viardot. A situação política em Paris, porém, não o ameaçava de forma alguma. Se estava fugindo, era das recordações penosas, da falta que Georg e seus filhos lhe faziam. 'Disseram-me que ele me chamou, lamentou minha perda, amou-me filialmente até o fim', escreveu ela após sua morte.

Foi bem recebido pela aristocracia inglesa. A duquesa de Sutherland o convidou para tocar para rainha Vitória e o príncipe consorte Alberto. Conheceu Carlos Dickens, Tomás Carlyle e lorde Byron, cujo temperamento agitado o irritou. A amiga inglesa Jane Stirling o arrastou para Edimburgo, em casa de um parente rico e mau-humorado, organizou para eles concertos nessa cidade, em Manchester e Glasgow, chegando a comprar boa parte dos ingressos e a distribuí-los, para ter certeza de que a sala não ficaria vazia. Entretanto, o clima chuvoso do país não lhe fazia bem, ele estava cansado e sentia-se estranho: 'É como se o mundo desvanecesse a meu redor, de forma muito esquisita'.

Voltou à Paris, em 24 de novembro de 1848, para descobrir que, durante a sua ausência, o Dr. Mollien, seu médico preferido, tinha morrido. Apesar do carinho de que foi cercado por Franchomme, Delacroix, Pleyel e Delfina Potocka, que o fizeram mudar para um apartamento mais salubre, sua saúde estava declinando a olhos vistos. Já não compunha mais. Duas mazurcas, a n.º 2 Op. 67 e a n.º 4 Op. 68, foram as últimas coisas que escreveu. Percebeu, finalmente, ter chegado a hora de chamar Luisa: 'Você sabe que os ciprestes têm os seus caprichos; e o meu, hoje, é ter você ao meu lado'. Não é, porém, uma carta amargurada e sim um testemunho de gratidão à cidade que o acolheu, desenraizado, afastado de sua terra natal, e deu-lhe um chão ao qual agora sente pertencer: 'Está fazendo um tempo maravilhoso. Estou sentado na sala, diante de minhas cinco janelas, pelas quais contemplo o panorama de Paris inteira: as torres, o Palácio das Tulherias, a Câmara dos Deputados, Saint-Germain-l'Auxerrois, Saint-Étienne-du-Mont, Notre-Dame, o Panthéon, Saint-Suplice, o Val-de-Grâce, os Invalides. E entre esses edifícios e eu, não há nada senão uma sucessão de jardins'.

Em 1949, seu último ano de vida, sentia insatisfação com sua obra, chegando a destruir muitas páginas. Luisa chegou no dia 8 de outubro. No final de setembro, levaram-no, já nas últimas, para um novo apartamento voltado para o sul, mais ensolarado. Foi uma tentativa inútil de fazê-lo melhorar. Na véspera de morrer, Chopin ainda encontrou forças para rabiscar um bilhete pedindo que seu corpo fosse aberto e lhe tirassem o coração, pois perseguia-o, há muitos anos, o medo de ter uma crise cataléptica e de ser enterrado vivo.

Chopin faleceu em Paris, a 17 de outubro de 1849 e seu último desejo foi atendido. Três mil pessoas foram à cerimônia fúnebre, realizada no na igreja de Madeleine. Em seu enterro foi interpretado a Missa Requiem de Mozart, como queria. O regente do Teatro da Ópera, Francisco Habeneck, foi quem regeu a obra, cantada por Luiz Lablache e Paulina Viardot, cujas vozes Chopin admirava tanto. Seu corpo está enterrado no cemitério do Père Lachaise, entre os túmulos de Cherubini e Bellini. Dentro da urna, depuseram a taça cheia de terra de seu país natal, que lhe fora presenteada pelos amigos, quando ele deixou Varsóvia. O coração, que lhe tinha sido extraído do peito, foi levado para a Polônia e lá se encontra sepultado.

Caracterização - A posição de Chopin na música história da música é paradoxal. Artista de índole aristocrática, que executava a sua música em auditórios seletos, com raras aparições diante do grande público, criou uma obra estrita, de matizes delicados, mas conquistou uma enorme audiência popular. Após sua morte, seu amigo Liszt presumiu que a posteridade teria um reconhecimento "menos frívolo" por sua arte que os contemporâneos. A verdade é que a obra de Chopin suscitou equívocos persistentes: a extrema facilidade melódica de algumas peças superou, no julgamento geral, a complexidade melódica e harmônica de outras, menos divulgadas. Desse ponto de vista pode-se falar na existência de um duplo Chopin, o do grande público, romântico cuja obra se confunde com a biografia sentimental, e o dos músicos, autor de obra originalíssima.

A primeira singularidade de Chopin é o caráter quase atemporal de sua obra. Há nela, certamente, influências locais (música polonesa e folclore de sua terra) e históricas (o nacionalismo, influência dos contemporâneos, etc.), mas não se pode falar, propriamente, numa evolução por etapas. Chopin era músico já realizado em seu estilo ao chegar a Paris. A segunda singularidade é a escolha, ou imposição do temperamento criador, de um meio expressivo dominante, o piano. Singularidade que também é a sua limitação: Chopin desconhece os grandes gêneros instrumentais, sendo, regra geral, compositor de peças breves.

Isso valeu sempre a acusação de ser Chopin compositor de escassos recursos formais. Sua obra não inclui, como a de outros românticos, música de câmara, à exceção do Trio Op. 8, que não permaneceu no repertório. Apesar de suas sonatas, Chopin quis ignorar praticamente os recursos da sonata-forma do Classicismo vienense. Mas, a par dessas limitações, outros valores existem na obra de Chopin que compensam as suas falhas. Sobretudo uma compacta unidade de estilo, embora com diferenças marcadas de valor entre as peças, e o desenvolvimento de uma lógica própria da linguagem musical, quase fora de seu tempo.

Obras - A obra de Chopin é essencialmente pianística. Entre suas primeiras realizações está o Concerto para piano em fá menor Op. 11 (1829) e o Concerto para piano em si menor Op. 21 (1830). Compôs, mais tarde, os Lieder poloneses (17), sobre temas folclóricos de sua terra natal. Mas Chopin compreendeu que a sua imaginação poética só necessitava de um único meio de expressão para se expandir. Para o piano criou um estilo peculiar, de nervosa oscilação rítmica pelo uso insistente do tempo rubato. Na sua obra para piano solo há peças de difusa fantasia poética, peças de vibração passional, exercícios de desafio à técnica pianística e até, em alguns, mero virtuosismo, que se deve talvez à influência de seu próprio virtuosismo no teclado.

Entre as coleções de peças breves de Chopin destacam-se os Estudos Op. 10 (1833) e os Estudos Op. 25 (1836). A influência visível é a de J.S.Bach, seu músico preferido, e da melodia de Bellini. Trata-se de peças técnicas, com o propósito definido de resolver problemas de teclado. Nem por isso se eximem de um indefinível halo poético, como o Estudo n.º 3 em mi maior Op. 10, ou da nota passional o Estudo n.º 12 em dó menor Op. 10 - Revolucionário. A segunda coleção Op. 25, reflete um amadurecimento maior, com invenções harmônicas mais complexas. Outra coleção valiosa são os Prelúdios Op. 28 (1839), mais breves, mais esboçados, embora alguns sejam tão elaborados quanto os Estudos. Dos Noturnos, há diversas coleções (Op. 9, Op. 15, Op. 27, Op. 48, Op. 62). São peças etéreas, muito menos definidas. Assim como as Valsas (14), de várias épocas, são forçosamente mais fáceis, mais ligeiras.

Entre as peças de caráter nacionalístico estão as Mazurcas e as Polonesas, entre as quais se destaca a Polonesa Op. 40 - Militar. São obras de ritmos eslavos, embora afrancesados. Mais íntimas são as Baladas (4), que estão entre as peças mais extensas. São obras escritas entre 1830 e 1843, das quais a última, a Balada n.º 4 em fá menor, está entre as maiores obras de Chopin. Também na mesma quantidade são os Scherzos (4) (1830-1843), nos quais nada transparece do romantismo melancólico: são peças cáusticas, de elaboração difícil, que muito exigem dos intérpretes.

Finalmente é preciso citar, entre as peças isoladas de Chopin, a Barcarola em fá sustenido maior Op. 60 (1846), que pode ser considerada como o maior dos noturnos de Chopin, e a grande Fantasia em fá menor Op. 49 (1842), que alguns consideram a sua obra-prima, só rivalizando com esta a maior de suas três sonatas, a Sonata para piano em si bemol menor Op. 35 (1839), que inclui a famosa Marcha fúnebre. Essas obras são os títulos máximos de Chopin. Mas são as únicas, numa obra breve e singular, que contribuíram para o enriquecimento da linguagem musical. Sem Chopin, grande parte da literatura pianística posterior (Schumann, Debussy, Ravel) não seria explicável. Seus arabescos cromáticos e explorações harmônicas foram, para isso, decisivos.